Jornalismo no México e as cicatrizes invisíveis da luta contra as drogas

Repórteres, fotógrafos e cinegrafistas sofrem de Transtorno de Estresse Pós-traumático após serem vítimas da violência que assola o país

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Por Redação
Atualização:

CIDADE DO MÉXICO - "Eu me trancava por medo, achava que me seguiam e podia acontecer o pior". Assim explica Jorge Martínez, jornalista mexicano, o motivo de não sair de casa por 15 dias depois que pistoleiros do cartel La Familia o atacaram e a seis colegas.

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Por causa do trauma do ataque, Sergio Ocampo, de 60 anos, colaborador da AFP no Estado de Guerrero, sofreu paralisia facial.

Além dos 90 jornalistas assassinados e 21 desaparecidos desde que, em 2006, a luta contra as drogas foi militarizada, um crescente e "devastador" universo de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas sofrem de Transtorno de Estresse Pós-traumático (TEP) e a grande maioria carece de ajuda de terapeutas, advertem especialistas.

Jornalista trabalha em Chilpancingo, no Estado de Guerrero, durante protestos de policiais Foto: PEDRO PARDO/AFP

Em 13 de maio, quando voltavam do povoado de San Miguel Totolapan, onde cobriam uma operação policial e bloqueios de vias com automóveis incendiados, Ocampo, Martínez e outros cinco jornalistas foram interceptados na chamada Tierra Caliente por uma centena de supostos integrantes do cartel La Familia.

"Vamos queimar vocês vivos agora!", ameaçou um dos pistoleiros antes de roubar todos seus equipamentos em uma estrada desértica. Foram liberados 15 minutos depois, lembra Ocampo.

Dois dias depois, pistoleiros assassinaram em Sinaloa, reduto do cartel de mesmo nome fundado por Joaquím "El Chapo" Guzmán, o jornalista Javier Valdez, colaborador da AFP.

A organização de defesa da liberdade de imprensa Repórteres Sem Fronteiras considera o México o terceiro país mais perigoso do mundo para os jornalistas.

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O trauma dos jornalistas causado pela violência no México ocorre por narrar "fatos associados ao desaparecimento forçado de pessoas, às execuções extrajudiciais, as cenas de crime", ou por serem vítimas de agressões executadas pelo crime organizado, explica Alejandra González, psicóloga da organização Artigo 19. O pior, adverte, é que "a maioria não é tratada".

Rogelio Flores, da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), realizou vários estudos sobre o TEP.

O último, no ano passado, incluiu 246 jornalistas que cobrem temas violentos: 41% apresentaram sintomas de estresse pós-traumático, 77% de ansiedade e 42% de depressão, comentou Flores à AFP.

Alejandro Ortiz, de 26 anos, correspondente em Chilpancingo da W Radio, narra com um riso nervoso as quatro vezes em que sofreu agressões do crime organizado: já foi sequestrado durante duas horas, amarrado, espancado e apontaram uma arma para ele, mas diz que não deixará de cobrir temas violentos.

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"Sabemos que ser jornalista no México é uma profissão de alto risco, mas ser em Guerrero aumenta um pouquinho esta situação", comenta à AFP enquanto cobre uma greve de policiais. Ortiz já sofreu de ansiedade e teve pesadelos recorrentes.

Antes de chegar a Chilpancingo, capital de Guerrero com 187 mil habitantes, pode-se observar na estrada dezenas de caminhões militares. Um intenso calor úmido e o caos do trânsito parecem acentuar o nervosismo.

Dos jornalistas na área, 30% sofrem de estresse pós-traumático, declara à AFP Eric Chavelas, líder de uma associação que os agrupa. "Lançamos um pedido de socorro há anos. De repente não sabemos onde pedir para ter ajuda psicológica", diz com um gesto cansado.

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Guerrero historicamente é cobiçado por traficantes e autoridades corruptas por conta de suas férteis e intrincadas montanhas, boas para o cultivo da papoula e da planta da maconha.

Ezequiel Flores, de 40 anos, correspondente do semanário Proceso, viu-se obrigado a "deixar de ir a campo" após ser intimidado por militares e receber ameaças de morte.

Na semana passada denunciou à organização Artigo 19 que homens armados se colocaram em frente a sua casa. A Artigo 19 documenta agressões contra ele desde 2013.

Durante anos cobriu as relações entre traficantes, políticos e policiais comunitários na zona onde 43 estudantes de Ayotzinapa desapareceram em 2014.

Diz que não sai nem para passear com seu cachorro sem olhar "para todos os lados" e procura fazer isso "nos horários em que os pais levam ou buscam os seus filhos na escola para estar em locais com mais gente".

Ele é um dos que reconhece que sofre do transtorno e na semana passada foi intimidado por homens armados. "Todos os dias, após documentar tragédias, e tragédias, e tragédias e não ter como ou não saber como tirar isso tudo acumulado, iso te leva a uma fase de islomento", afirma.

O governo federal implementou um mecanismo de defesa dos jornalistas, mas não foi o suficiente e, para muitos comunicadores, não significa nenhuma tranquilidade.

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"Se nós estávamos no meio de dois postos militares e iam nos matar, de que serve as medidas cautelares...", reclama Ocampo, com o lado direito do rosto paralisado. / AFP

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