Maconha de farmácias uruguaias é esnobada por quem pode pagar clubes

Erva que passou a ser vendida em drogarias é a alternativa barata para quem pretende evitar o narcotráfico, mas perde terreno entre os usuários que podem gastar até três vezes mais para se associar em cooperativas ou ter o próprio cultivo em casa

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Por Murillo Ferrari e Montevidéu
4 min de leitura

MONTEVIDÉU - Após 15 anos na área de marketing de uma multinacional de tabaco, o uruguaio Joaquín Fonseca largou a profissão para ir em busca de outro sonho relacionado ao fumo. Fundou um clube para o cultivo cooperativo da maconha, uma das formas legais de produzir a droga de acordo com a lei de 2013. Quatro dias atrás, seu clube ganhou a “concorrência” das farmácias, que passaram a vender a erva a usuários com perfil econômico bem diferente.

Em agosto de 2014, Fonseca pediu demissão e, com 15 sócios, criou o Clube Cananico Sativa, que hoje ocupa grande parte de um prédio de arquitetura tradicional perto do turístico Parque Rodó, em Montevidéu. A lei uruguaia estabelece que os clubes só podem funcionar se tiverem de 15 a 45 pessoas. 

Presidente do Clube Cananico Sativa, Joaquín Fonseca pediu demissão de multinacional para abrir negócio Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

“Agora que nosso funcionamento está estabilizado fazemos as entregas mensais para os membros no máximo permitido pela lei (40 gramas por mês) e com a possibilidade de escolherem entre algumas das genéticas que cultivamos - em média, seis - a cada ciclo da planta”, disse Fonseca ao Estado na semana passada. Ele ressalta que nos primeiros meses o crescimento da empresa foi tão rápido que ele precisou aprender muito sobre o cultivo da erva.

Quando a droga passou a ser vendida em farmácias, entrou em vigor a terceira e última etapa da lei aprovada no governo de José “Pepe” Mujica. As outras duas, em funcionamento pleno desde 2014, são justamente o cultivo coletivo ou a plantação na residência, modalidade que tem feito alguns brasileiros se mudar e regularizar sua situação no país vizinho para viver com e da maconha. Cada usuário registrado no sistema do governo só pode optar por um dos três tipos de fonte de maconha. Quem é sócio de um clube não pode comprar nas farmácias ou cultivar em casa, por exemplo.

No clube dirigido por Fonseca, onde ficam a sala de secagem e o depósito do produto pronto para ser entregue aos sócios, o cheiro da erva é tão forte que pode ser sentido da calçada. Esse aroma é proporcional à potência do produto, que o cultivador estima ter entre 12% e 18% de THC, o princípio ativo da maconha, além de ser livre de canabidiol (que inibe efeitos psicoativos e está presente na variedade que o governo envia às farmácias).

“Essa produção que alcançamos, aliada a uma qualidade incomparável em relação à droga prensada vendida pelos traficantes (normalmente originária do Paraguai e misturada com produtos para baratear o custo de produção) fez o clube se desenvolver”, disse Fonseca. Ele explica que seu clube oferece apoio técnico a outras duas agremiações, ambas com mais de 30 membros cada.

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Martin, um dos sócios do clube, explicou que escolheu esta modalidade para obter sua maconha de forma legal porque foi a que mais se encaixou na sua realidade. “Eu não tinha condições de plantar na minha casa e a venda nas farmácias, cujo início foi adiado muitas vezes, não me convencia. Então optei por um clube do qual tinha ouvido falar bem tanto do ponto de vista do cultivo quando da gestão”, disse.

De acordo com dados oficiais do Instituto de Regulação e Controle de Cannabis (Ircca), o Uruguai conta hoje com 63 clubes de cultivo de maconha legalizados. O órgão, no entanto, não divulga quantos membros cada organização possui. Considerando as regras de funcionamento, é possível afirmar que são no máximo 2.835 os que aderiram a essa forma de acesso à droga, o equivalente a 19% do total de registros.

Ser membro de uma destas organizações tem um custo elevado quando comparado com a droga disponível ilegalmente no país e também com a oferecida agora nas farmácias. Na maioria dos casos, é mais caro também do que ter a própria plantação em casa, a escolha de 45% dos registrados no Uruguai.

Em um país onde o salário mínimo é de 11.150 pesos (R$ 1.222) por mês, o custo para adquirir as 40 gramas de maconha em um clube pode chegar a 4.800 pesos (R$ 526), enquanto que o cultivo em casa é similar, em torno de 4.500 pesos (R$ 493) - mas sem considerar os gastos para adquirir equipamentos como lâmpadas e estufas.

Estas opções são três vezes mais caras que a última implementada, a venda em farmácias, opção de 36% dos registrados. Um residente do país que comprar a quantidade máxima da substância permitida por mês nas drogaria gastará cerca de 1.496 pesos (R$ 164), valor similar ou um pouco mais barato do que do mercado negro.

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Um estudante de 19 anos que estava entre os compradores em uma das farmácias de Montevidéu na semana passada disse que a dificuldade de comprar o produto legalizado pode atrapalhar a adoção pelos consumidores, mas o baixo preço - segundo ele, quase metade do que pagou por quantidade equivalente em sua última compra ilegal - pode ter mais peso nesta balança.

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