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Macron triunfa outra vez

Líder francês terá a sonhada maioria legislativa, mas o que fará com esse poder todo?

Por Gilles Lapouge , CORRESPONDENTE e PARIS
Atualização:

Um mês depois de ter escolhido um novo presidente, Emmanuel Macron, a França voltou às urnas, desta vez para começar a eleger seus deputados. Resultado: para onde foram os deputados de ontem? Os últimos comunistas? Em fuga. Os ecologistas? Em debandada. A direita ultrarradical da Frente Nacional? Marine Le Pen sobrevive quase sozinha. Os socialistas? Uma espécie em vias de extinção. E a direita, os Republicanos? Divida em três.

O responsável por essa hecatombe é o Eliseu. É Macron, que ninguém conhecia três anos atrás. E é jovem, tem 39 anos. Vocês fazem ideia do que significa alguém tão jovem expulsar, de um único golpe, 250 ou 300 deputados, velhos como a sabedoria e a decrepitude, desbancados pela multidão de desconhecidos que constitui a maioria de Mácron?

Emmanuel Macron, recém-eleito presidente francês, comparou o país a uma startup em declaração. Foto: REUTERS/Philippe Wojazer

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É de desanimar todas as cátedras de ciências políticas de todas as universidades do mundo. Até pouco tempo, o quadro estava claro. A França era um país sedutor, inventivo, glamouroso e sutil, mas fadado, depois de dezenas de anos, a fazer sempre a mesma política: dois partidos (socialista e direita) se alternavam no comando a cada cinco anos. A França, no plano político, era um cancro. Ela se repetia eternamente. Seria, em breve, um dos museus do mundo.

E aí, aparece esse jovem que subverte tudo, Macron. Ele não tem ar de nada. É polido, nunca grita nem mesmo fala mal dos outros. Ele fabricou um movimento (seu partido Em Marcha!) e todo mundo sorriu. Esse sujeitinho é dotado: voltarão a falar dele daqui a trinta anos. Pois, não. Macron abalou de imediato setenta anos de história. Por que setenta? Porque um único homem antes dele, em 1958, conseguira mudar de tal forma o curso langoroso da história, o general De Gaulle.

Mas quando De Gaulle se instalou no Eliseu depois de ter varrido a metade dos antigos deputados, ele era mais velho e era um “herói” da guerra contra o nazismo. Macron, por sua vez, não tem tantos anos, nem um passado de glória. Ele avança sem barulho, com passos de veludo. E assim que ele põe um pé adiante do outro, todos os adversários saem da frente. Em breve, ele terá uma Câmara de Deputados do jeito que gostaria: 400 a 450 deputados em 577. Uma maioria verdadeiramente absoluta.

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Absoluta demais? Sem dúvida. Numa democracia, é saudável, até mesmo vital, haver contrapesos. É digladiando-se com a oposição que um bom governo afina suas ideias e as consolida. É verdade que, apesar de ter a Câmara sob controle, ele terá oposição. Mas estará tão abalada, tão ocupada em lamber feridas e tentar compreender o que lhe caiu sobre a cabeça que dificilmente conseguirá organizar uma posição sólida.

Tome-se o caso do único partido ainda apresentável, os Republicanos, ou seja, a direita de Sarkozy ou Juppé. Ele perdeu dois terços de seus deputados, mas lhe restou ainda uma centena. O suficiente para fazer ouvir sua voz? Nem tanto, porque os 100 sobreviventes já começaram a se dividir novamente. Uma primeira porção dos Republicanos combaterá Macron, outra só pensará em sobreviver, e a terceira se perguntará como aderir ao vencedor sem passar por traidora ou renegada.

E Macron? Será que tamanho triunfo não vai fazê-lo perder o sangue frio? Por enquanto, ele faz tranquilamente o que havia prometido: uma política econômica pragmática mais próxima da alemã que dos programas um pouco sonhadores dos socialistas. Mas até onde ele irá? De vez em quando, ele preocupa. Tendo decidido remodelar a defesa do país contra o terrorismo, por exemplo, ele às vezes coloca em risco as liberdades civis. O Conselho Constitucional foi obrigado a chamar-lhe a atenção.

Há algumas semanas, ele disse uma pequena frase que me espantou: “Serei um presidente jupiteriano.” Uma imagem curiosa. Júpiter é o “deus dos deuses”, ele lança raios a seu bel prazer sobre quem ele quiser. Será que é com isso que Macron sonha, com um poder absoluto, discricionário, sem freios nem contrapesos? Ou ele quer simplesmente dizer que não estará em busca da popularidade, como estiveram Chirac, Sarkozy e Hollande, sempre preocupados em se mostrarem “homens como todos os outros”? Macron quer simplesmente ficar longe das pequenas batalhas, das decisões banais do cotidiano, ao modo seguido por De Gaulle ou pelo socialista Mitterrand. Os próximos dias nos esclarecerão a esse respeito.

Por enquanto, assistimos ao apagamento e depois ao desaparecimento de figuras que os franceses frequentavam há trinta anos. Mesmo daquelas de que não gostávamos, sentiremos falta. Nós havíamos nos acostumado a vê-las com uma espécie de ternura. Elas eram de nossa família. Às vezes, eu me surpreendo lamentando até mesmo Sarkozy e Hollande. Ao mesmo tempo, vamos ter de aprender a reconhecer essa multidão de deputados desconhecidos, anônimos, que partilharão nossa vida, para bem ou para mal. É assim a impalpável melancolia que cerca estas pequenas reviravoltas históricas. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK 

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