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Mais pobres se unem a protesto em Caracas

Antes ausentes de marchas na capital, moradores de favelas começam demonstrar insatisfação

Por Javier Tovar FRANCE PRESSE e CARACAS
Atualização:

Paula Navas marcha contra o governo venezuelano em nome de sua filha Anhely, que morreu há uma semana em um hospital deteriorado que não tinha remédios e insumos para salvá-la. A ferida ainda está tão aberta que apenas a menção do nome da filha faz com que ela caia no choro em seu barraco em Petare, uma das maiores favelas de Caracas.

Paula não é novata em política. Trabalha como intermediária entre sua comunidade e a prefeitura governada pela oposição. Anhely, de 22 anos, era a quinta de nove filhas - duas adotadas - que essa mulher de 50 anos criou sozinha. 

"Não quero viver com medo", diz manifestante em Caracas. A Venezuela tem enfrentado escassez de alimentos e produtos básicos Foto: AFP PHOTO / Juan BARRETO

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“Ela costumava ir a todas as manifestações”, diz Paula. Se tivesse viva, segundo a mãe, ela estaria também na marcha de ontem contra o presidente Nicolás Maduro.

“A Venezuela tem de mudar, isso não é vida, essa gente tem de sair. As favelas estão aderindo à oposição. O chavismo estás desaparecendo”, afirmou. Paula garante que é amiga de todos, incluindo de chavistas que moram no bairro Cinco de Julho, em Petare, onde vive desde os 15 anos no alto de um morro caraquenho tomado pela pobreza.

A caminho da passeata de ontem, ela ia apontando o dedo para as pessoas com bom humor: “Aqueles estão com a oposição”, disse. “Aqueles também.” Ao cruzar com uma senhora que usava um boné do chavismo, Paula disse: “Esta também está do nosso lado.” 

Protestos. Nas últimas semanas, milhares de venezuelanos protestaram contra o governo de Maduro, que mobilizou um enorme aparato de segurança policial para impedir a desestabilização política e o que ele chama de “terrorismo”. Ela para na casa de uma senhora chamada Nena para buscar uma amiga, Leinny García, de 32 anos, que aparece com uma bandeira da Venezuela para se juntar à procissão até a avenida principal, onde se juntam a outras cinco pessoas. 

“Somos um grupo grande”, disse Paula. “Vamos descendo aos poucos, porque estão nos ameaçando. Muitos vão à manifestação em favor do chavismo porque estão sendo obrigados.”

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Quando Anhely Azuali estava sendo velada, o gás lacrimogêneo invadiu a funerária: lá fora, uma manifestação oposicionista era dissipada pelas forças da ordem. Anhely morreu num domingo, após uma semana internada no hospital ao qual chegou com diarreia e vômito. 

Injetaram-lhe penicilina, o único remédio que havia, embora fosse alérgica. “Avisei à médica que ela era diabética. A doutora não olhou o histórico que eu levava, não perguntou nada. Quando o chefe dos médicos chegou, disse à colega: “Você a matou, e me matou também”, lembra Paula. Aqueles dias foram um inferno para ela, correndo de um lado para outro atrás de remédios e até de cateter para oxigênio, que o hospital não tinha. Enquanto isso, a oposição protestava.

Além de líder comunitária, Paula é faxineira em uma casa. E trabalhou também como costureira para sustentar as filhas, que, à exceção de uma que está no último ano, terminaram a escola. Agora, ela cuida também da filha de Anhely. A garotinha mostra orgulhosa uma foto da mãe no celular da avó.

Levando apenas uma garrafa de água, Paula segue com os companheiros de passeata de Petare até um dos pontos de concentração dos opositores. Toma um ônibus, no qual já estão uma garota com as cores da bandeira venezuelana pintadas nas bochechas e um senhor com um gorro tricolor, usado por críticos do governo. Ao chegar, Paula vai cumprimentando vizinhos de bairro. “Vou ficar até o fim, com ou sem gás. Marcho por minhas filhas, por minha Anhely”, afirmou, antes de desaparecer no mar de gente. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

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