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May semeou um fiasco

Premiê conservadora tentou transformar o trabalhista Corbyn em uma ‘ausência’, mas plano eleitoral fracassou

Por Gilles Lapouge , Correspondente e Paris
Atualização:

Theresa May deixou o mundo perplexo quando anunciou inesperadamente que estava dissolvendo o Parlamento e convocou eleições legislativas. A primeira-ministra, que havia sucedido a David Cameron a menos de um ano, deixava as pessoas pasmas. Essa mulher esguia, chique e orgulhosa era uma “grande estrategista”, um Napoleão. Ela tinha a coragem, a força da grande Margareth Thatcher, e era também mais distinta e sutil.

Sua aposta era vencedora: na época, ela tinha maioria no Parlamento, uma maioria pequena. Para o Brexit, ela queria uma maioria forte, por isso tentou “virar a mesa”, esmagar os trabalhistas do pobre Jeremy Corbyn e conquistar uma grande maioria. Com essa tacada, ela pretendia aterrorizar os europeus de Bruxelas. Ela faria picadinho daqueles tipinhos. O Reino Unido recuperaria sua glória. A rainha Vitória, Winston Churchill e Thatcher teriam uma herdeira.

A primeira-ministra britânica, Theresa May, fala à imprensa em Londres Foto: AP Photo/Matt Dunham

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A cavalgada heroica fracassou. Os gloriosos cavalos de Theresa May começaram a parecer velhos asnos capengas e empoeirados. A vitória fulgurante antecipada por May em abril – uma maioria de 80 assentos – deu lugar a um resultado ridículo.

Como May poderia intimidar o pessoal de Bruxelas com essa bagagem miserável? May, que pensava ganhar a admiração de seus concidadãos, ganhou apenas um apelido: The Snake (A Serpente). E uma canção repetida por milhões de bocas: “She’s a liar, liar!” (Ela é uma mentirosa, uma mentirosa!).

Esse triste resultado é uma meia surpresa, apenas: há três meses, vimos a estátua da altiva senhora May descamar. A aurora esperada adquiriu matizes lívidos de sóis poentes. Ao mesmo tempo, começava uma revanche de um rival inesperado: o chefe dos trabalhistas, Corbyn. Se May não obteve grandes vitórias, ela ao menos realizou uma façanha: em três meses, transformou o “perdedor” absoluto que era o trabalhista num campeão valoroso.

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Como ela conseguiu isso? Convencida de sua superioridade, utilizou seus trunfos naturais: seu orgulho, seu desdém, sua altivez, seu desprezo. Ela mal fez campanha. E mesmo assim foi uma campanha fria. Sem dissimular o desprezo com que envolvia Corbyn, ela se recusou a falar com ele.

Ela quis fazer de seu adversário uma “ausência”, e essa “ausência” converteu-se em “presença”. Nos dias que precederam a eleição, duas imagens se opunham: de um lado, May reunindo plateias rarefeitas e incapaz de falar com a cabeça ou com o coração. De outro, o “perdedor” Corbyn ovacionado por milhares de entusiastas em comícios.

Assim, no correr dos dias, viu-se a vantagem que May exibia no começo das sondagens derreter. Ela se convenceu, então, que em vez de falar a seus eleitores somente do Brexit devia evocar também a vida cotidiana dos britânicos.

Por exemplo, imaginou criar um imposto para “cuidar” de pessoas idosas. Esse imposto seria financiado por uma cobrança sobre a transmissão de heranças. A iniciativa desagradou a todos: aos ricos por causa dos direitos de herança; aos pobres, que batizaram o imposto de “Dementia tax” (imposto sobre a demência senil).

E houve os dois terríveis ataques terroristas em Manchester e depois em Londres. A campanha eleitoral foi galvanizada. Em condições normais, Theresa May teria colhido os benefícios. Os conservadores têm a reputação de ser mais firmes nestas questões, favoráveis a medidas de segurança e a uma política drástica em matéria de imigração.

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Mas as coisas tomaram outro rumo. Aliás, antes de se tornar primeira-ministra May havia ocupado durante seis anos o cargo de ministra do Interior no governo igualmente conservador de David Cameron. E seu currículo é fraco. 

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Entre 2010 e 2015, May havia reduzido o número de policiais de 142 mil para 123 mil. Pior: havia se oposto a seu chefe, David Cameron, que queria “deslocar” as comunidades de imigrantes e reduzir a influência das escolas religiosas para secar o pântano do islamismo radical.

Sem dúvida consciente dessa má imagem, May propôs reduzir a liberdade de movimentos dos suspeitos de terrorismo. “Se as leis sobre direitos humanos nos impedem de fazer essas coisas, mudaremos essas leis”, disse ela. Essa tentativa de se reposicionar “como campeã da segurança” terá convencido?

Assim, o golpe genial de May – a dissolução do Parlamento – fracassou. Ela ainda tem o maior bloco, é fato, mas terá dificuldade para conduzir o navio por entre os recifes perigosos que esperam o Reino Unido no momento de negociar as condições do Brexit com Bruxelas.

Apesar de sua decepção, ela poderá se vangloriar de ter feito melhor do que seus antecessores conservadores, Cameron, e até mesmo John Major. Mas alguns questionarão a lógica dessas eleições antecipadas que deram errado.

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De mais a mais, na própria equipe de May não faltam lobos. Já se pode ouvir o antigo prefeito de Londres, o barroco Boris Johnson, afiar suas presas. E os conservadores mais eurocéticos vão pressionar para que May defenda em Bruxelas uma ruptura franca e irrevogável com a Europa, ao passo que May, apesar de ter escolhido um “Brexit duro”, não queria romper completamente as pontes com Bruxelas.

Fragilizada e sustentada por uma base tão instável, o menor passo em falso de May, mesmo nos belos sapatos com que ela faz lembrar que são seu verdadeiro charme, ela poderá ser reduzida à impotência com relação a Bruxelas, ao mesmo tempo em que sua nova impopularidade colocaria em risco até mesmo sua função de primeira-ministra. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK  É CORRESPONDENTE EM PARIS