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Merkel, a grande chefe

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Por Gilles Lapouge
Atualização:
Chanceler alemã enfrenta críticas por acolher refugiados Foto: JOHN MACDOUGALL | AFP

A “chefe” está sempre no comando. A “chefe” é a chanceler alemã Angela Merkel, que há alguns meses navega numa zona de tempestade.

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Motivo? A política generosa que ela defende a respeito do tema sensível, perigoso, dos migrantes que invadem a Europa procedentes da Síria, do Afeganistão, da Líbia, da Somália etc.

Foi uma pequena frase de Angela Merkel que desencadeou o drama: no início do ano, todas as nações europeias, incluindo a França, tiveram uma atitude fria, às vezes mesmo indigna (como a Hungria e, mais tarde, a Polônia), tentando fechar suas fronteiras às vítimas que fugiam do caos no Oriente Médio e na Ásia Central.

Merkel, praticamente sozinha, optou pelo acolhimento. Ela disse que a Alemanha cumpriria seu dever e abriria as fronteiras aos refugiados políticos (não aos econômicos). Resultado: depois de um ano, a Alemanha havia absorvido um milhão de migrantes e o povo alemão a criticou. A chanceler, no ápice há vários anos, viu sua popularidade despencar. Os políticos, mesmo os de seu partido (a CDU, de tendência conservadora), se revoltaram.

O que faz uma chefe num caso semelhante? Quando essa chefe se chama Angela Merkel, não cede. Ela enfrenta um congresso partidário tempestuoso – como o da CDU, nos dias 14 e 15 de dezembro em Karlsruhe – e ganha.

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Entre os mil delegados da CDU, dois votaram contra e dois se abstiveram. Todos os outros deram seu voto de confiança à chefe de Governo. E, como se isso não bastasse, ela foi ovacionada duas vezes de pé durante dez minutos, no início e no final.

Como conseguiu esse pequeno milagre? Em primeiro lugar, com sua coragem. Depois, com a força do coração e, finalmente, com o poder que emana de sua pessoa: “Wir schaffen das” (“Nós conseguiremos”), ela martelou. “Nós conseguiremos, sim, porque realizar grandes coisas é próprio da identidade do nosso país.” E é verdade que, em época recente, por duas vezes a Alemanha fez grandes coisas, quase impossíveis.

No fim da guerra, vimos esse país coberto de cinzas, de pó e de mortos reerguer-se no prazo de alguns anos e realizar seu “milagre econômico”. Mais recentemente, quando a URSS afundou, as duas Alemanhas (a Oriental e a Ocidental) se reunificaram brilhantemente.

Mas Merkel tem o estofo do político. Por isso, ela não se contenta em ser fiel à sua linha, mesmo perigosa.

Também toma suas precauções. Em primeiro lugar, as fronteiras alemãs permanecerão abertas aos migrantes, mas será feita uma rigorosa distinção entre os migrantes políticos e os refugiados econômicos, que não serão admitidos. Em segundo lugar, a Alemanha cuidará para que seja assegurada a essas multidões de migrantes sua integração a fim de evitar o multiculturalismo.

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A sociedade multicultural fracassou. Merkel quer evitar encorajar “sociedades paralelas” – indubitavelmente, ela pensou no exemplo inquietante do país vizinho, a França.

A chefe ganhou a batalha contra os profissionais da política. Resta uma segunda batalha, mais difícil, que não foi ganha de antemão: desarmar a desconfiança dos alemães que se sentem sufocados ou ameaçados por esse enorme afluxo de refugiados. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

GILLES LAPOUGE É CORRESPONDENTE EM PARIS