Rússia e China defendem Maduro e criticam novas sanções dos EUA

Moscou e Pequim afirmaram que medidas anunciadas na semana passada pelo governo Trump podem 'agravar tensões' e 'deixar a situação mais complicada' no país caribenho; Caracas forma 'tropa de choque' para se blindar na ONU contra novas ações

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Por Jamil Chade , Correspondente e Genebra
Atualização:

GENEBRA - A Rússia e a China atacaram nesta segunda-feira, 28, a decisão dos Estados Unidos de aplicar novas sanções contra a Venezuela e acusaram a Casa Branca de "agravar a tensão" no país latino ao mesmo tempo que Caracas monta uma "tropa de choque" nas Nações Unidas para evitar condenações ou resoluções contra o governo de Nicolas Maduro. 

"As sanções contra o setor financeiro e petroleiro da Venezuela visam agravar os problemas econômicos, num momento em que vemos os primeiros sinais de uma estabilidade relativa na política interna", declarou a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Maria Zakharova.

Venezuelano protesta em Caracas com cartaz ofendendo o presidente americano, Donald Trump, após as sanções ao país e à PDVSA Foto: EFE/Miguel Gutiérrez

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Na sexta-feira, o presidente americano, Donald Trump, anunciou novas punições, as primeiras contra o próprio país e não apenas seus dirigentes. As medidas visam fechar o acesso ao capital estrangeiro, justamente num momento de falta de liquidez em Caracas. A avaliação de Moscou é de que as sanções "incentivam a parte intransigente da oposição". 

"A lógica das sanções prevê um agravamento das tensões", alertou Maria. "Vamos examinar as consequências das medidas impostas pelos EUA e seus eventuais impactos sobre os interesses da Rússia e seus empresários", disse a porta-voz. "Mas podemos já dizer que tais atos não influenciarão em nossa vontade de cooperar com a Venezuela", completou. 

Nos últimos anos, russos e chineses tem ampliado de forma importante seus investimentos na Venezuela, ocupando espaço deixado por empresas americanas. Neste sentido, a China também se mostrou contra a decisão de Washington e afirmou que a história mostra que interferência externa e sanções unilaterais apenas deixam as situações mais complexas e não ajudam a resolver problemas.

Perguntada sobre as novas medidas dos EUA, a porta-voz do Ministério de Relações Exteriores chinês, Hua Chunying, disse que o posicionamento de seu país tem consistentemente sido de respeitar a soberania e independência de outros países e de não interferir em suas questões internas.

“O problema atual na Venezuela deve ser resolvido pelo governo venezuelano e pela própria população”, afirmou Hua.

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Relatório da ONU

As reações russa e chinesa foram feitas no momento também em que a ONU se prepara para denunciar, na quarta-feira, uma longa lista de crimes cometidos pelo governo Maduro. O relatório, segundo o "Estado" apurou, já foi transmitido para Caracas e diplomatas venezuelanos contra-atacam, montando uma "tropa de choque" entre governos aliados para impedir que a denúncia se transforme em ações ou em novas sanções. 

Com o apoio de China e dezenas de outros governos emergentes, a Venezuela tentará frear qualquer moção na ONU e proporá a aprovação de uma resolução para denunciar medidas unilaterais, como as que tem sofrido por parte dos EUA. 

Há três semanas, em um relatório preliminar, a entidade internacional alertou que pelo menos 73 dos 124 mortos registrados desde abril na Venezuela foram de responsabilidade direta das autoridades venezuelanas ou de grupos de milícias apoiados pelo governo.

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A ONU também apontou que, desde abril, um total de 5.051 prisões arbitrárias foram realizadas no país e, desses, pelo menos 1 mil deles continuam encarcerados. Quase 2 mil pessoas também foram feridas em ações de violência. "Houve um sistemático e generalizado do uso de força excessiva e detenções arbitrárias contra os manifestantes por parte do governo para reprimir manifestações", denuncia a organização. 

Diplomatas venezuelanos confirmaram ao Estado que já receberam a versão final do documento e prestaram as informações solicitadas pela entidade. Mas atacam o fato de que a oposição venezuelana não teria sido tratada de forma "independente" pelos autores do documento. "Os crimes da oposição parecem não ser crimes", disse um dos membros da delegação venezuelana. Na ONU, responsáveis pelo texto negam que a oposição tenha sido poupada. 

Mas o principal foco do governo venezuelano é o de frear qualquer ação concreta. Jorge Valero, embaixador da Venezuela na ONU, anunciou que, com o apoio do Movimento dos Países Não-Alinhados, vai promover na entidade um evento para criticar as sanções adotadas contra Caracas. O objetivo é questionar as atitudes de Donald Trump que, nas últimas semanas, tem adotado sanções unilaterais contra membros do governo Maduro. 

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Para Valero, essas medidas coercitivas tem um "impacto sobre os direitos humanos". O ato é um segundo passo da diplomacia de Caracas depois de conseguir, em junho, que países como China, Cuba, Bolívia, Síria, Coreia do Norte, Mianmar, Zimbábue e Paquistão saíssem em seu apoio explícito. A declaração do grupo barrou qualquer tipo de ação enfática. 

"Reconhecemos o imperativo de todos os Estados a respeitar a soberania na da Venezuela", disse o texto. "Consideramos que cabe ao povo venezuelano, exclusivamente, determinar seu futuro sem ingerências externas."

Diplomatas europeus admitiram ao "Estado" que, enquanto não houver um consenso, fazer qualquer tipo de proposta de resolução na ONU contra a Venezuela será "um tiro no pé". "Não há votos suficientes", disse um diplomata consultado pela reportagem. 

Um representante do governo americano ainda reconheceu que, por enquanto, não existe nada planejado sobre a Venezuela para as reuniões do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que começam no dia 11 de setembro.

Governos latino-americanos também tem demonstrado hesitação em agir, já que não têm registrado apoio suficiente para garantir que uma resolução possa ser aprovada no Conselho. 

Em Lima há três semanas, chanceleres de governos da região se limitaram a dizer que a Venezuela não cumpre os critérios para ser parte do Conselho da ONU. Mas, cientes dos apoios que Caracas tem, não fizeram qualquer proposta de texto para ser colocado em voto.

Mediadores

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O ex-primeiro-ministro espanhol José Luis Rodríguez Zapatero, o ex-presidente dominicano Leonel Fernández e o panamenho Martín Torrijos também criticaram nesta segunda as sanções financeiras e a ameaça de uma intervenção militar para solucionar a crise na Venezuela.

"Consideramos que as sanções e a hipótese mencionada de uma intervenção militar não contribuem para uma solução inteligente e construtiva e são profundamente inconvenientes", afirma comunicado assinado pelos três ex-governantes, líderes de uma missão de mediação entre governo e oposição.

"A comunidade internacional deve contribuir ao processo de busca de entendimento. Avivar o confronto não ajuda, só aumentará a instabilidade até levar a um beco sem saída", completa a nota. / COM REUTERS e AFP

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