Morte de negros reflete disparidade racial nos EUA

Números apontam que violência policial afeta menos americanos brancos e mostram as distorções do sistema criminal do país

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Por Cláudia Trevisan , de Washington e Correspondente
Atualização:

A morte de negros desarmados pela polícia, como Michael Brown e Eric Garner, é apenas um dos sintomas do desequilíbrio racial no sistema criminal dos EUA, no qual afro-americanos são representados de maneira desproporcional: 1 em cada 3 homens negros tem chance de ser preso em algum momento de sua vida. Entre os brancos, a probabilidade é de 1 em 17, segundo estudo da entidade The Sentencing Project.

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Os homens negros foram os mais afetados pela explosão da população carcerária nos EUA nas últimas quatro décadas, quando o número de pessoas atrás das grades aumentou 500%. O país é líder mundial em encarceramento, com 25% dos presos do planeta, apesar de ter apenas 5% de seus habitantes.

Os negros representam 13% da população americana, mas respondem pela maior parcela dos que estão encarcerados, com 36,5% do total. Em cada grupo de 100 mil negros, 2.841 estão atrás das grades, mostra análise do Sentencing Project, instituição que defende mudanças no sistema criminal e o fim do encarceramento em massa. Entre os brancos, a proporção é de 463 em cada grupo de 100 mil.

Os que são presos entram em um círculo vicioso de exclusão, que se estende depois da libertação. Condenados por crimes relacionados a drogas perdem de maneira vitalícia o direito de pedirem crédito oficial para financiar estudos, por exemplo. Também enfrentam restrições para obtenção de subsídios para moradia e não podem ter acesso a outros benefícios sociais, como auxílio alimentar.

 Foto: Infográfico Estadão

Ex-presidiários perdem o direito de votar para o resto da vida em quatro Estados americanos. Em outros oito, existem restrições mais brandas, que afetam autores de alguns tipos de crimes ou que vigoram por um período determinado depois do cumprimento da pena. No total, 5,85 milhões ex-detentos não podem votar.

Em 2011, a Associação de Advogados Criminalistas dos EUA identificou 38 mil medidas punitivas aplicadas a ex-presidiários nos Estados, entre as quais a proibição de exercício de certas profissões, como a de barbeiro ou encanador. Outra restrição é a proibição de atuarem como jurados em várias regiões. Além disso, os ex-presidiários carregam um estigma que reduz suas chances de reinserção social. Estudo publicado neste mês pelo Center for American Progress observa que 60% dos ex-detentos continuam desempregados um ano depois de saírem da prisão.

No livro The New Jim Crow, a advogada de direitos civis Michelle Alexander afirma que o sistema criminal substituiu as regras de segregação racial como uma forma institucionalizada de discriminação. Segundo ela, um criminoso hoje não tem mais direitos do que um negro que vivia no Estado do Alabama no auge da segregação racial imposta no período de 1876 a 1985.

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Martín Antonio Sabelli, da Associação de Advogados Criminalistas, observa que a influência da questão racial se manifesta desde a interação da polícia com suspeitos até a sentença condenatória. “O importante é quem é investigado, quem é processado e, uma vez processado, quem consegue responder ao processo em liberdade.” Em todos esses casos, as perspectivas dos afro-americanos são piores que as dos brancos.

Em sua opinião, a mudança desse cenário exige o treinamento de policiais para a eliminação de preconceitos que muitas vezes são inconscientes. “A discriminação é um hábito que tem de ser substituído por outro hábito, mas isso demanda muito trabalho e treinamento sério”, afirmou.

O maior desequilíbrio racial ocorre na guerra contra as drogas desencadeada a partir dos anos 80, na qual os afro-americanos são atingidos com muito mais frequência que os brancos. Segundo estudo do National Research Center divulgado em abril, as prisões de negros por ofensas relacionadas a drogas são três a quatro vezes superiores às de brancos.

Condenações pela produção, comercialização e uso de drogas respondem por 25% da população nas prisões estaduais, onde havia 1,32 milhão de pessoas em 2013, e por 50% dos 195 mil detentos nas instituições federais. Outros 700 mil acusados aguardam julgamento nas cadeias municipais. “À diferença de muitos outros países ocidentais, os EUA responderam à escalada nos índices de criminalidade impondo leis e políticas extremamente punitivas e se afastando da reabilitação e da reintegração”, diz o estudo, um dos mais amplos já realizados sobre o assunto.

 

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