MSF renuncia a fundos da União Europeia em razão da política migratória do bloco

Decisão da Médicos sem Fronteiras é protesto contra o que considera ser uma 'resposta vergonhosa da Europa' para a crise na região; medida tem efeito imediato em todos seus projetos, diz ONG

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Por Murillo Ferrari
Atualização:

A organização humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF) anunciou nesta sexta-feira, 17, que não receberá mais fundos da União Europeia (UE) e de nenhum de seus Estados-membros em oposição às políticas migratória adotadas pelo bloco que representam a "intensificação das tentativas de empurrar as pessoas e seu sofrimento para longe da costa da Europa". Segundo a ONG, a decisão entrou em vigor imediatamente e é válida para projetos da MSF em todo o mundo.

"Essa decisão tem impacto sobre nossos princípios, como nossa independência, neutralidade e imparcialidade, que são os pilares da organização", disse ao Estado a diretora geral da MSF Brasil, Susana de Deus. "Essa cisão tem muito a ver com o princípio da independência. Não aceitamos financiamentos de instituições ou empresas que não estejam ajustadas aos nossos princípios de assistência humanitária, que deve ser necessariamente feita com base nas necessidades das pessoas e não em fins políticos."

Jérôme Oberreit, secretário-geral internacional da MSF, anunciou nesta sexta-feia a decisão de não receber mais fundos da UE Foto: EFE/Olivier Hoslet

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Do ponto de vista financeiro, no entanto, a decisão não causará grandes mudanças para a MSF já que as verbas de origem institucional representam apenas 8% do arrecadado pela organização, sendo a principal forma de custeio das operações da MSF as doações de mais 5,7 milhões de pessoas em todo o mundo. Além disso, segundo Susana, a organização possui reservas para emergências, que podem se utilizadas para que a atuação da ONG não seja afetada.

O que motivou a MSF a abrir mão dos fundos europeus foi a implementação, em março, de um acordo entre o bloco e a Turquia que facilita a devolução de imigrantes e cujo objetivo seria impedir que mais refugiados entrassem no continente. 

A organização também questiona recente proposta da Comissão Europeia de replicar o acordo em mais de 16 países da África e do Oriente Médio, incluindo Somália, Eritreia, Sudão e Afeganistão - 4 dos 10 países de onde mais saem refugiados, segundo estudo da Agência da ONU para Refugiados (Acnur). Esses acordos imporiam cortes no comércio e na ajuda ao desenvolvimento a países que não contiverem o fluxo migratório para a Europa ou não facilitem retornos forçados, além de recompensar aqueles que o fizerem. 

"São todos países dos quais as pessoas estão desesperadas para sair e a UE quer fazer contratos com esses governos para que elas sejam mantidas lá. A Europa quer empurrar esses cidadãos de volta para locais de onde eles querem sair", disse Susana.

Segundo a diretora da MSF Brasil, se houver uma mudança drástica em relação ao que a União Europeia está fazendo sobre a crise dos refugiados a abordagem da organização poderia ser revertida. Ela não acredita, no entanto, que isso deve acontecer a curto prazo.

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Esta não é a primeira vez que a MSF decida parar de aceitar doações de governos específicos. Em 2004 a organização formalizou uma política para não aceitar verbas do governo dos EUA ou de suas agências de auxílio, como a USAID, depois que os americanos expandiram sua guerra ao terror. Na ocasião, a MSF disse que ao misturar objetivos políticos e militares, os EUA estavam ferindo os princípios da organização. A decisão de não aceitar dinheiro dos EUA e de suas agências continua em vigor.