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Nacionalismo britânico

Grupos extremistas uniram-se aos defensores do Brexit por racismo e nacionalismo

Por Gilles Lapouge 
Atualização:

O Reino Unido deixou a União Europeia em 23 de junho, no referendo do Brexit. Isso há cinco meses. E depois? Nada aconteceu. A nova primeira-ministra, Theresa May, que é uma figura ilustre, importante e conservadora, reflete a respeito. Ganha tempo.

Ela é quem deve ativar o Artigo 50 do Tratado de Lisboa, dando início aos procedimentos para a separação entre Reino Unido e Bruxelas, o que deve durar oito meses. Ora, o que tem feito Theresa May? Aguardado. Pior: recusa-se a expressar suas intenções, seu plano, suas ideias. Em resumo, procura acalmar a situação, mas vem inflamando os ânimos.

Premiê britânica, Theresa May, antecipou 'duras' negociações para a saída do Reino Unido da União Europeia Foto: REUTERS/Darren Staples

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Todos estão nervosos. Os europeus, que gostariam de resolver de uma vez por todas essa saída dos britânicos, os partidários britânicos do Brexit, impacientes para entrar no seu novo e velho estatuto de Estado-nação, e os contrários ao Brexit, extremamente furiosos.

O divórcio de um casal já é uma questão complicada. Entre uma nação e uma União Europeia é muito mais. Centenas de advogados britânicos trabalham noite e dia no assunto. Não nos juntamos a eles porque o inconveniente e o charme do Reino Unido é que ele não tem uma Constituição escrita. Para acompanhar o debate jurídico em curso, é necessário ser britânico de pai a filho desde a época de Cromwell ou mesmo de Ricardo III.

O drama do Brexit não envolve só os mistérios obscuros do direito britânico. Ele provoca a ressurreição violenta do nacionalismo. Esse velho país, tão sensato, civilizado, de repente adota ares de bandido. As tensões entre os radicais do Brexit, os mais moderados, e sobretudo entre seus defensores e opositores, parecem brigas de rua.

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Em junho passado, uma deputada contrária ao Brexit, Jo Cox, foi assassinada por Thomas Mair, defensor da saída, aos gritos de “Grã-Bretanha em primeiro lugar”, o primeiro crime político britânico desde 1990. Claro que esse Mair era um neonazista, mas há outros no país e a paixão nacionalista inflamada pelo Brexit tornou-se tão irracional que tudo pode acontecer. Trata-se de um nacionalismo da espécie mais sórdida, insuflado por uma imprensa poderosa: o Daily Mail é lido por 1,6 milhão de pessoas diariamente.

E não é o único a atiçar o fogo. Um deputado conservador exige uma lei criminalizando quem tiver o mau gosto de falar mal do Brexit. O ministro do Interior declarou que sempre colocará os interesses dos britânicos antes dos outros. Deputados exigem que se refaçam os livros de História, nas escolas, para se consagrarem sobretudo à “História da nossa ilha”.

Jornais pedem que seja restabelecido o passaporte de outrora, com sua capa azul. Outros, que se lance ao mar de novo o iate real Britannia. E está se desenvolvendo uma obsessão: reatar com o tempo abençoado em que o Sol jamais se punha no Império Britânico.

A partir da década de 80, surgiram no Reino Unido inúmeros movimentos extremistas, nacionalistas e racistas, como o Partido Nacional Britânico ou a Liga de Defesa Inglesa, repletas de sonhos delirantes.

A atração por pequenos grupos, depois, diminuiu. Seus partidários se juntaram aos pró-Brexit por racismo e nacionalismo, mas graças ao atual período de transição, e aguardando que volte a ser levantada a passarela do navio Britannia, esses fanáticos marcam a pauta da imprensa popular.

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Retomam velhas obsessões britânicas que se acreditava exiladas em algum canto infecto do século 13, uma delas explicada luminosamente pelo Daily Mail: “a inveja e o ódio dos britânicos estão no cerne da identidade francesa”. Repentinamente, nos sentimos rejuvenescidos em um ou dois séculos. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO 

*É CORRESPONDENTE EM PARIS

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