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Nem na Suiça se pode mais confiar

Por Agencia Estado
Atualização:

Não se sabe mais em quem confiar: a Swissair, a melhor companhia aérea do mundo, faliu. Na manhã desta quarta-feira, nos aeroportos em Zurique e em Londres, aconteceram cenas patéticas. Passageiros muito chiques, muito ricos, à moda suíça, apresentaram-se nos guichês da Swissair com seus bilhetes de passagem para embarcar. E a dama helvécia responde delicadamente: - Não, senhor. O vôo foi cancelado. - Não é possível, senhorita... - Nenhum avião Swissair! - Nenhum avião? - Não temos gasolina nos aviões. - Os senhores simplesmente têm que comprar gasolina. - Não temos mais um tostão, senhor. Swissair em falência! ?Histórico?. Por uma vez, essa palavra tão depreciada (histórico) justifica-se. A Suíça, modelo de boa administração sem concorrentes, a Suíça escrupulosa, opulenta, cheia de ouro, de bancos, de sabedoria e de prognósticos, a Suíça viu desmontar o que ela inventou de melhor (depois do cuco de Orson Welles, é verdade): a Swissair, a companhia cujos aviões partiam e chegavam na hora certa, em que o serviço era assegurado por suíças refinadas, a ?estrela? de todas as companhias mundiais. Foi um golpe duro para os helvécios. Desde a manhã desta quarta-feira, de Genebra à Basiléia e Berna, os suíços e as suíças têm um olhar vago, incrédulo e perplexo. Parecem perguntar-se o que lhes aconteceu, como simplesmente em poucos dias o solo desabou sob seus pés e os levou ao abismo. Alguns mergulham uma das mãos no lago Léman para conferir se ainda tem água. Outros verificam, com um olhar enviesado, se o Mont Blanc continua no lugar. É algo muito desagradável também para toda a humanidade, pois a Suíça desempenha um papel no equilíbrio espiritual de todos os homens. Para mim, quando as coisas vão mal, quando os empregados do metrô parisiense entram em greve, quando uma indústria química francesa explode, quando um cargueiro derrama seu combustível na Bretanha, eu me apoio na Suíça. Digo para mim mesmo: ?Sim, isso não anda muito bem. As virtudes cívicas são reduzidas a pó. Os contadores não sabem mais somar etc., mas existe a Suíça, nem tudo está perdido?. Há algum tempo, adquiriu-se o hábito de enviar, cada vez que acontece um acidente, não só médicos mas também psicanalistas para darem um apoio moral às vítimas. No caso da Swissair, será preciso mobilizar todos os psicanalistas da Europa, freudianos, jungianos, lacanianos e talvez até reichnianos. É preciso levar a sério a terrível aventura da Swissair. Essa falência nos confirma o que outros acontecimentos nos diziam em voz baixa: no grande livro da história, uma página está prestes a ser virada. Se refinarmos um pouco a análise, ficaremos ainda mais impressionados. Ficamos sabendo que, desde antes da tragédia novaiorquina do dia 11 de setembro, a Swissair já estava na miséria. E por que? Porque a Swissair se lançou em uma política frenética de compras, de participação, absorvendo uma série de companhias às vezes pequenas, outras vezes grandes (a Sabena belga em que a Swissair entrou e que corre o risco de também não ter mais um tostão para comprar sua gasolina). A Swissair estava em toda parte. Estava nas companhias francesas AOM-Air Liberté que se encontram nuas hoje. Tinha posto a mão em 20% do capital da South African Airways. Em Portugal, a TAP Air Portugal também ?ficou lívida? com a falência da Swissair. Essa euforia de compras pela companhia suíça é um mistério. A rigor, podemos compreender que um chefe solitário ?enlouqueça?, que seu orgulho o leve a projetos ?faraônicos? e mortais. Mas não é o caso: a Swissair é pilotada por um conselho administrativo muito sério, extremamente helvécio, com gravatas, polidez e longas reflexões. A Swissair trabalhava com dois bancos, e os banqueiros suíços são confiáveis. Então? Uma conjunção de astros maléficos sobre todas aquelas cabeças? Estas são minhas reflexões. As reflexões dos acionistas não são exatamente as mesmas, mas também ficaram estupefatos quando viram na manhã de quarta-feira suas ações passarem de 40,05 francos suíços para 1,27 francos suíços.

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