Nem tanta pressão assim

Governo americano diz que Trump pressionou Putin sobre interferência russa nas eleições, mas indícios apontam que ele só evocou a questão

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Por Aaron Blake
Atualização:

A grande dúvida do encontro com Vladimir Putin era se o presidente Donald Trump o confrontaria sobre a ingerência russa na eleição de 2016. A resposta é um sonoro “talvez”. Depende da maneira que definimos a palavra confrontar. O secretário americano de Estado, Rex Tillerson, disse posteriormente que Trump “pressionou” Putin no caso da interferência russa em vários momentos.

“O presidente iniciou seu encontro com o presidente Putin falando das preocupações da sociedade americana com relação à interferência russa na eleição de 2016”, disse. “Trump pressionou o presidente Putin em mais de uma ocasião.”

Reunião bilateral entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (D), e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, começou com aperto de mãos e declarações amistosas em encontro do G-20 na Alemanha Foto: AP Photo/Evan Vucci

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OK. Parece muito sério. Mas depois Tillerson afirmou repetidas vezes que o encontro teve a ver com o futuro, não com o passado. Mais tarde acrescentou que a explicação de Putin representava “uma discussão contumaz” e afirmou “não havia muitas coisas a rediscutir do passado”.

Tudo isso não soa como se houve realmente uma pressão. Na verdade, parece que Trump só evocou o assunto. Putin negou e então os dois avançaram na conversa sem “rediscutir” o passado. E foi bem assim que o chanceler da Rússia, Serguei Lavrov, descreveu o encontro. Ele afirmou que Trump aceitou as explicações de Putin de que a Rússia não interferiu na eleição americana.

“Trump disse que esta campanha (contra a Rússia)já adquiriu um caráter estranho, pois por muitos meses essas acusações se repetiram, mas nenhum dado foi produzido”, disse Lavrov, segundo David Filipov do Washington Post.

A Casa branca está tergiversando com a ideia de que Trump aceitou a negativa de Putin. Certamente não é inusitado Lavrov ou Rússia induzirem as pessoas a erro e eles têm incentivo para agir assim. Mas até este ponto a Casa Branca e Trump não deram realmente muita razão para duvidar que o presidente na verdade não pressionou tanto seu colega.

Os comentários de Tillerson são particularmente reveladores, com toda essa conversa sobre seguir em frente e não “rediscutir o passado”. Essas palavras foram escolhidas por uma razão, e se não foram, foi realmente infeliz a ideia de usá-las.

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E mais importante são os comentários feitos no passado por Trump que tornam ainda mais difícil acreditar que ele de fato confrontou Putin com vigor. Cada vez que Trump é questionado a respeito, ele desvia o assunto. Simplesmente não consegue dizer que acha que a Rússia interferiu na eleição e é preciso resolver isso. O que diz é que outros países provavelmente interferiram, questiona a comunidade de inteligência e acusa o presidente Barack Obama de não ter feito mais.

Trump nunca é firme nos seus comentários sobre a intervenção russa na eleição, rotulando o caso como uma “brincadeira” sugerindo que pode ter sido um garoto no porão da sua casa em vez do Kremlin. Não há nada sugerindo que ele retrucaria vigorosamente se Putin negasse totalmente o caso.

A Casa Branca sempre insiste que temos de entender que Trump é um presidente diferente a portas fechadas – um sujeito que pode um dia questionar a inteligência sobre a investigação russa e, no dia seguinte, manter Putin sob pressão. Mas isso é pedir para fingirmos que acreditamos.

Talvez Lavrov tenha mentido e Trump deveria esclarecer isso publicamente. Mais do que qualquer outra coisa, o fato de ele não se expressar de maneira dura publicamente sugere que, a portas fechadas, também não se mostrou tão duro. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO É JORNALISTA

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