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Número de crimes de ódio no Reino Unido tem aumentado em razão do crescimento das denúncias

Desde o referendo do Brexit, país vem registrando um aumento nos ataques contra imigrantes, mas, segundo analista, estatísticas são enganosas

Por Kimiko De Freytas-Tamura
Atualização:

BELFAST - O Reino Unido parece estar no meio de uma onda alarmante de crimes de ódio. Em 2015, foram registrados 8 vezes mais episódios desse tipo no país do que nos EUA, que tem 5 vezes mais gente, por exemplo.

O crescimento do Partido da Independência do Reino Unido, o ressentimento a respeito da imigração, os ataques terroristas na Europa e as percepções de antissemitismo em partes do Partido Trabalhista contribuíram para uma atmosfera de aumento do medo e da hostilidade em algumas regiões.

Memorial improvisado em um shopping de Harlow, na Inglaterra, onde um homem polonês foi morto em agosto Foto: Andrew Testa/The New York Times

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A situação parecia ter piorado em junho, depois que os britânicos votaram para deixar a União Europeia (UE), um resultado impulsionado em grande parte pelo sentimento contra os imigrantes. A casa de uma família polonesa e a loja de um romeno foram incendiadas, pessoas cuspiram, espancaram e disseram para europeus orientais voltarem para casa.

Os ataques se estenderam a mulheres muçulmanas, cujos véus faciais foram rasgados. Negros, asiáticos, homossexuais e pessoas com deficiências também relataram abusos. O Reino Unido registrou 71.140 crimes de ódio no ano financeiro de 2016, que acabou em março. Em julho, o mês posterior ao referendo, o número de crimes de ódio registrado pela polícia foi 41% mais alto do que o mesmo mês do ano anterior.

Em geral, esse é um retrato numérico de uma sociedade presa ao ódio e à intolerância. No entanto, as estatísticas são enganosas, afirmou Mark Hamilton, chefe assistente de polícia da Irlanda do Norte, que lidera a política de crimes de ódio no Reino Unido para o Conselho Nacional de Chefes de Polícia.

“Na maioria dos casos, não é um crescimento nos crimes de ódio. É um aumento das denúncias”, explicou em uma entrevista em seu escritório em Belfast. Como as ações criminosas normalmente não são registradas, disse, “a estratégia nacional é aumentar o nível dos relatos desse tipo de problema”.

O número de crimes de ódio denunciados cresceu por duas razões: aumento da consciência do público e mudanças na lei para que quase tudo possa ser registrado como ações desse tipo quando a vítima passa por um ataque verbal ou físico. Muitas das mudanças resultam do assassinato com caráter racial de Stephen Lawrence, jovem negro de 18 anos que foi esfaqueado enquanto esperava por um ônibus em 1993.

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Muitos crimes que constam das estatísticas são denunciados pelo True Vision, um site financiado pelo governo que permite que qualquer pessoa relate anonimamente o crime de ódio que sofreu ou testemunhou.

Mais do que um viveiro de ódio racial, o Reino Unido leva os crimes desse tipo a sério e encoraja os cidadãos a os relatarem quando acontecem. Longe de mostrar o país como uma sociedade xenófoba, disse Hamilton, os números apontam para uma maior intolerância entre os britânicos direcionada não aos estrangeiros, mas ao comportamento de ódio em relação a eles. Os números também sugerem que a confiança pública na polícia está melhorando, afirmou.

Embora o voto no Brexit tenha “criado uma licença” para alguns atacarem, Hamilton explica: “Se olharmos o que estamos denunciando, não veremos um número massivo de crimes sérios”. Dados do Ministério do Interior publicados em outubro mostraram que mais de metade de todos os crimes de ódio foram categorizados como comportamento ameaçador, mas não violento. Ainda assim, um terço envolveu alguma violência física.

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Excluindo crimes de ódio virtual - de difícil monitoramento pelas autoridades -, os dados da polícia mostram que cerca de 82% dos crimes de ódio têm motivação racial ou religiosa, incluindo os ligados ao antissemitismo e à islamofobia. As outras ações são contra homossexuais, transexuais e pessoas com deficiências, os quais a polícia considera serem pouco denunciados.

Grupos de interesse possuem suas próprias contas. O Community Security Trust, um grupo de assistência britânico, afirma que os incidentes de antissemitismo cresceram 11% nos primeiros 6 meses de 2016, depois de totalizar 924 em 2015. O Tell Mama, que acompanha os dados da islamofobia, diz que recebeu 1.128 relatos em 2015, mais do que o dobro do ano anterior. As embaixadas europeias no país também registraram dezenas de incidentes contra seus cidadãos, a maioria da Europa Oriental. Mas, como os números oficiais não separam os crimes de ódio pela religião, é difícil verificar essas contagens.

Mark Hamilton, chefe assistente de polícia da Irlanda do Norte, que lidera a política de crimes de ódio no Reino Unido para o Conselho Nacional de Chefes de Polícia Foto: Paulo Nunes dos Santos/The New York Times

A taxa de execução penal varia entre os quatro países que compõem o Reino Unido. Na Inglaterra e no País de Gales, cerca de um quarto dos crimes de ódio denunciados foi processado em 2015. Na Escócia, a taxa foi de cerca de 80%, enquanto na Irlanda do Norte foi mais do que a metade. Quando são levados ao tribunal, mais do que quatro em cinco das acusações resultam em condenação.

“A resposta da polícia melhorou de várias maneiras”, afirma Neil Chakraborti, professor de Criminologia e diretor do Centro de Estudos do Ódio da Universidade de Leicester. “O Reino Unido tem um conjunto claro de leis, uma política direcionada para a vítima e há um esforço coletivo” para combater os crimes de ódio.

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