O Brasil e a igualdade de gênero na ONU

País presidirá sessão da Comissão Sobre a Situação da Mulher, que busca promover o empoderamento das mulheres

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Por Antonio de Aguiar Patriota
Atualização:
  Foto: SIPHIWE SIBEKO | REUTERS

O Brasil preside a 60.ª sessão da Comissão sobre a Situação da Mulher (CSW, em inglês). Criada em 1946, a Comissão é responsável pela promoção dos direitos das mulheres e pela elaboração de recomendações sobre desafios à plena realização desses direitos. Há 20 anos, a CSW passou a monitorar, também, a implementação dos compromissos dos Estados resultantes da 4.ª Conferência Mundial sobre Mulheres de Pequim.

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Cabe uma distinção entre a CSW (fórum intergovernamental) e a ONU Mulheres (braço do secretariado). Dirigida pela sul-africana Phumzile Mlambo-Nguka, que realizou visita ao Brasil, entre 18 e 19 de novembro, a ONU Mulheres foi estabelecida em 2010 para secretariar a CSW e auxiliar os Estados na implementação dos compromissos internacionais sobre igualdade de gênero e empoderamento das mulheres e meninas.

É a primeira vez que um Representante Permanente do Brasil junto às Nações Unidas assume a coordenação dos trabalhos da CSW. À frente do “bureau” que organiza o programa e os documentos da próxima sessão, o Brasil procura galvanizar apoio para realinhar os objetivos da Comissão à Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.

A Agenda 2030, adotada em 25 de setembro, em evento histórico, que contou com a presença da presidente Dilma Rousseff – entre outros 136 chefes de Estado e de governo –, constitui a base sobre a qual governos, sociedade civil, setor privado e agências da ONU orientarão suas políticas e ações em favor do desenvolvimento sustentável pelos próximos 15 anos.

A Agenda 2030 estabelece objetivos e metas de aplicação universal. O objetivo 5 trata do alcance da igualdade de gênero e do empoderamento de todas as mulheres e meninas. Entre as medidas previstas, destacam-se: a eliminação de toda forma de discriminação e violência contra mulheres e meninas em espaços públicos e privados; o reconhecimento do valor do trabalho doméstico e o compartilhamento de responsabilidades entre homens e mulheres; a igualdade de oportunidades para o exercício da liderança feminina em todos os níveis do processo de decisão nas vidas política, econômica e pública; e a promoção de legislação que garanta a igualdade de gênero.

No campo da igualdade de gênero, a relação do Brasil com o sistema multilateral é de mão dupla. Na ONU, o Brasil atua na consolidação das conquistas obtidas em Pequim e se posiciona na vanguarda dos avanços relacionados ao reconhecimento das múltiplas formas de discriminação contra as mulheres, com ênfase nos grupos vulneráveis. O consenso internacional, no contexto da Agenda 2030 em torno da promoção da igualdade de gênero, se traduzirá em políticas públicas e estratégias no âmbito interno.

Como reconheceu o Banco Mundial, o PIB global poderá crescer significativamente se o número de mulheres e homens empregados formalmente for equivalente. A igualdade de gênero é indispensável para a erradicação da pobreza – o maior desafio para o alcance do desenvolvimento sustentável. Superar a desigualdade de gênero é justificável não só apenas do ponto de vista moral e social, mas também do econômico.

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Como presidente da CSW e representante da campanha “HeForShe” (Eles por Elas), estou convencido do poder transformador do engajamento dos homens nos debates sobre superação da desigualdade de gênero. Acelera-se o processo do alcance da igualdade de gênero a partir do questionamento de estereótipos sobre os quais se assentam as relações desiguais de poder entre homens e mulheres.

A Declaração Política por ocasião do 20.º aniversário da Conferência de Pequim, adotada em março deste ano, reconhece que nenhum país logrou a plena igualdade de gênero. Essa circunstância bem ilustra o desafio universal articulado pela Agenda 2030, que exigirá esforços tanto de países desenvolvidos quanto de em desenvolvimento. Em alguns países desenvolvidos, por exemplo, observa-se uma redução da presença das mulheres no mercado de trabalho em função da ausência de legislação sobre licença maternidade. No Brasil, já teve início uma reflexão sobre a paternidade compartilhada como boa prática para evitar que mulheres sejam desfavorecidas no mercado de trabalho. Em alguns países do mundo em desenvolvimento, outros desafios se impõem, como a extensão às mulheres do direito à herança e à propriedade. Em momento no qual a crise dos refugiados adquire contornos dramáticos, emergem preocupações com a situação de crianças apátridas – fruto de legislação que impede a transmissão de nacionalidade por mulheres.

O empoderamento político das mulheres tem adquirido importância, ainda, nos debates sobre a sucessão do secretário-geral da ONU. O Brasil defendeu a resolução que convida os Estados a apresentar candidatas ao cargo pela primeira vez na história da instituição. Tão importante quanto ter candidatas é ter candidatos, homens e mulheres, comprometidos com a promoção da igualdade de gênero. Essa proposição vale, igualmente, para o debate interno: as sociedades devem cobrar de suas autoridades, homens e mulheres, engajamento com o tema.

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