O Brasil no mundo

Ano passado trouxe mudanças importantes no comércio mundial, marcadas pela abordagem diferente adotada pelo presidente Donald Trump

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colunista convidado
Atualização:

O ano passado trouxe mudanças importantes no comércio mundial, marcadas pela abordagem diferente adotada pelo presidente Donald Trump. O novo cenário representa riscos e oportunidades para o Brasil, imerso numa sucessão presidencial este ano, que encerra visões conflitantes sobre o país e seu lugar no mundo. 

Ouvi cinco especialistas em comércio exterior sobre o que 2018 e os anos seguintes reservam para o Brasil. O ambiente não é de euforia, mas existem espaços que o país pode ocupar – desde que se convença da importância do comércio como mola propulsora de desenvolvimento.

Segundo Trump, qualquer solução para os jovens protegidos pelo programa Daca requer fundos para o muro. Foto: Carolyn Kaster/AP Photo

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“As oportunidades para o Brasil dependem de como ele se engajar com países e empresas que estão reavaliando seus padrões de compras em razão da decisão dos EUA de repensar sua rede de acordos comerciais”, analisa Kellie Meiman Hock, da consultoria McLarty Associates, em Washington. “Em especial o México e o Canadá estão buscando fontes estáveis de commodities agrícolas e outros insumos, o que abre espaço para o Brasil”, diz Hock, que foi diretora para o Brasil e o Cone Sul do USTR, o órgão do governo americano dedicado às negociações comerciais. “Seria um enorme desperdício se o Brasil não o ocupasse.”

A recém-criada Parceria Transpacífico (TPP) terá impacto negativo para o Brasil, em razão da maior competitividade de Austrália, Nova Zelândia e Japão, prevê Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), de São Paulo. “Seria positivo se Brasil e Mercosul, a partir de 2019, pudessem aderir à TPP”, afirma Barbosa. “Nos últimos 20 anos, negociamos três acordos comerciais. Agora, estamos conversando com a União Europeia. Se voltarmos nossa vista para a Ásia, com a TPP, estaremos negociando com Japão, Aliança do Pacífico (México, Chile, Colômbia e Peru) e outros seis ou sete países asiáticos.”

A retração do papel dos EUA abre espaço para a China. Isso “gera desafios do ponto de vista de combate a práticas comerciais desleais, como dumping e subsídios, mas também pode criar oportunidades, na medida em que a aplicação de medidas pelos EUA possa gerar desvios de comércio em benefício do Brasil”, observa Pablo Bentes, do escritório de advocacia Steptoe & Johnson, de Washington, especializado em disputas comerciais.

“A verdadeira oportunidade está no fato de que o comércio mundial começou novamente a se expandir a taxas satisfatórias depois de vários anos de quase estagnação, desde a crise de 2008”, sublinha Rubens Ricupero, ex-secretário-geral da Conferência da ONU sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad). “Daí o excelente desempenho do saldo comercial brasileiro este ano, bem mais de US$ 60 bilhões”, aponta Ricupero, que também foi embaixador em Washington e ministro da Fazenda.

“Tanto as exportações quanto as importações cresceram no segundo semestre.” Ele acha que o bom desempenho deve se repetir este ano, embora não com um saldo comercial tão alto, em razão do aumento do consumo interno.

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A chance mais concreta de acordo comercial importante é entre a UE e o Mercosul. “Ainda há dificuldades, tanto do lado europeu (cotas insuficientes de carne bovina, etanol) como do lado do Mercosul (pressão da indústria automobilística)”, descreve Ricupero.

“Acho que o aproveitamento dos benefícios da integração do Brasil aos fluxos de comércio internacional depende da revisão da orientação protecionista de nossa política comercial”, avalia Pedro da Motta Veiga, diretor do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes), no Rio. “Tenho hoje dificuldades para acreditar que tal revisão possa acontecer com uma abrangência significativa nos primeiros anos do novo governo, ainda que tenha uma orientação liberal.” Essa é a constante que precisa mudar.