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O magnata não é um acidente

Demagogia republicana alimentou por anos o fenômeno que se materializa no bilionário

Por Paul Krugman (The New York Times)
Atualização:

O s republicanos tradicionais, moderados, horrorizados com a ascensão de Donald Trump, talvez queiram lembrar da gafe que se ouve no mundo inteiro – a frase que Marco Rubio não parou de repetir num debate crucial, expondo-se a um ridículo devastador e precipitando sua campanha numa espiral catastrófica. Dizia mais ou menos o seguinte: “Vamos acabar com a ficção de que Barack Obama não sabe o que está fazendo. Ele sabe exatamente o que está fazendo.”

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A conotação clara era a de que todas as coisas ruins que, segundo os republicanos, ocorreram no governo de Obama – particularmente, a suposta queda do prestígio dos Estados Unidos no mundo – são o resultado de um esforço deliberado visando a enfraquecer a nação.

Em outras palavras, o favorito do establishment para a indicação do partido, o homem cuja imagem a revista Time certa vez estampou na capa com a manchete The Republican Savior (O Salvador Republicano), estava deliberadamente introduzindo a paranoia na política americana. Ele sugeria, embora timidamente, que o presidente em exercício seria um traidor.

Agora, o establishment está chocado ao ver um candidato que em última análise faz o mesmo jogo, mas sem nenhuma modéstia, tornar-se o favorito da enorme maioria para a indicação republicana. Por quê?

A verdade é que a trajetória do “trumpismo” começou há muito tempo, quando os membros conservadores do movimento – os guerreiros ideológicos da direita – tomaram o controle do partido. Foi isso que ocorreu de fato. Ninguém que queira tentar uma carreira no interior do partido ousa questionar qualquer aspecto da ideologia dominante, por medo da excomunhão.

Efeitos. É possível observar o poder constante da ortodoxia pelo fato de todos os concorrentes que permanecem na disputa para a indicação republicana, incluindo Trump, proporem conscienciosamente enormes cortes dos impostos que incidem sobre o capital (os ricos), embora a grande maioria dos eleitores queira, pelo contrário, que os impostos sobre o capital aumentem.

Mas como poderia um partido subserviente a uma ideologia basicamente impopular – ou, pelo menos, uma ideologia que não agradaria aos eleitores se eles soubessem mais a seu respeito – ganhar as eleições? A dissimulação ajuda. A demagogia e os apelos ao tribalismo ajudam mais ainda. O discurso e as sugestões de cunho racial, segundo os quais os democratas são antiamericanos, quando não traidores ativos, não são coisas que ocorram de vez em quando, mas parte integrante da estratégia política republicana.

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Durante o governo de Obama, os líderes republicanos usaram e abusaram dessa estratégia. Os republicanos tradicionais em geral evitaram dizer com tantas palavras que o presidente é um socialista ateu islâmico, queniano, amigo de terroristas – embora, como mostra o discurso de Rubio, eles tenham chegado bem perto –, mas se limitaram a encorajar tacitamente os que diziam isso e aceitaram o seu endosso. Agora, estão pagando o preço.

O pressuposto subjacente da estratégia do establishment era o de que eleitores poderiam ser enganados repetidamente: convencidos a votar nos republicanos por estarem com raiva “daquelas pessoas” e ignorados depois das eleições, enquanto o partido seguia suas verdadeiras prioridades.

Surge, então, Donald Trump. Não apenas sugerindo, mas berrando a sua mensagem, dizendo à base que poderá aceitar o engodo. E o establishment do partido está sendo destruído pelo monstro que criou. As coisas são muito diferentes do outro lado. Às vezes, ainda vejo pessoas sugerindo que existe uma equivalência entre Trump e Bernie Sanders. Embora ambos desafiem o establishment de um partido tradicional, esse establishment não é o mesmo.

Segundo afirmam alguns cientistas políticos, o Partido Democrata é uma “coalizão de grupos sociais”, que abrange desde o controle da natalidade até os sindicatos de professores, e não um monólito ideológico.

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O movimento de Sanders, com sua exigência de pureza, desprezo pelo toma lá dá cá e pelas meias medidas, assemelha-se mais, não à rebeldia de Trump, mas à ideologia que passou a controlar o Partido Republicano tradicional, tornando-o o partido que Trump está contestando.

E, de fato, começamos a perceber com esse movimento algumas indicações da feiura que há muito é o procedimento normal da direita: grosseiros ataques pessoais a quem questiona as premissas da campanha e um aumento crescente da demagogia. Basta comparar as mensagens de Sanders e de Hillary Clinton no Twitter para entender o que quero dizer.

Mas, voltando aos republicanos, vamos acabar com essa ficção de que o fenômeno Trump representa algum tipo de intromissão imprevisível no curso normal da política republicana. Ao contrário, durante dezenas de anos, o GOP (Partido Republicano) andou estimulando e explorando a mesma raiva que agora está levando Trump à indicação. Mais cedo ou mais tarde, essa raiva teria de escapar do controle do establishment. Donald Trump não é um mero acidente. Seu partido já estava preparando a sua chegada. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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