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Origens do coronavírus: o papel da mídia na rejeição da teoria do laboratório de Wuhan

Mesmo agora temos uma percepção clara de que as mentes independentes dificilmente estão funcionando

Por Bret Stephens
Atualização:

Se for verdade que a pandemia de covid-19 foi causada pelo vazamento do vírus de um laboratório em Wuhan, na China, este será um dos maiores escândalos científicos da história: uma pesquisa perigosa, possivelmente envolvendo técnicas eticamente duvidosas que tornaram o vírus ainda mais perigoso, realizada num laboratório com poucas salvaguardas e acobertada por um regime mais interessado em propaganda do que na vida humana, catastrófica para o mundo inteiro.

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Mas este possível escândalo, que ainda não está comprovado, põe sombra em um escândalo real, que precisa ser assimilado.

Quero me referir à longa recusa por parte de muitos guardiões da mídia (tanto a social como a tradicional) a levar a sério a teoria do vazamento. As razões para isto - partidarismos de classe e reportagens irrefletidas,e os métodos usados - censura e difamação - nos lembram que às vezes os inimigos mais destrutivos da ciência podem ser aqueles que afirmam falar em nome dela.

Retornemos a fevereiro do ano passado, quando pessoas como o senador Tom Cotton começaram a apontar para uma série de fatos perturbadores: a curiosa coincidência de uma pandemia ter origem na mesma cidade onde um laboratório chinês conduzia experimentos de ponta sobre vírus de morcegos; a inquietante notícia de que alguns dos primeiros pacientes de covid-19 não tiveram contato com os mercados de alimentos onde a pandemia supostamente teria se originado; o fato de o governo chinês ter mentido e se esquivado durante a crise. Pense o que quiser do republicano de Arkansas, mas eram observações razoáveis que justificavam uma investigação imparcial.

Novas investigações consideram hipótese de vazamento acidental do coronavírus de laboratório chinês Foto: Thomas Peter/REUTERS

Qual foi a reação comum dos círculos liberais de elite? Um repórter do The Washington Post qualificou a explanação do senador de “teoria marginal”,que foi repetidamente contestada por especialistas. O The Atlantic Council acusou Cotton de incitar uma “infodemia”,  “promovendo uma afirmação desacreditada de que o novo coronavírus teria sido criado num laboratório em Wuhan”. Segundo um jornalista do Vox, tratava-se de “uma teoria de conspiração perigosa”, proposta por conservadores “conhecidos por regularmente lançarem disparates (e criticarem a China)”.

Há muitos outros exemplos desse tipo. Mas no geral a narrativa da mídia era clara. De um lado estavam especialistas como os da Organização Mundial da Saúde: informados sobre o assunto, incorruptíveis, competentes, nobres. De outro lado estavam os “yahoos” de direita insistindo numa fantasia risível com insinuações xenofóbicas para desviar a atenção da má condução da crise pelo governo Trump.

Era ofensivo achar que o vírus podia ter escapado do Instituto de Wuhan? Não se você ouvisse o biólogo evolucionário Bret Weinstein, uma explicação lúcida, cientificamente rica, da hipótese de vazamento, que ele ofereceu há quase um ano no podcast não tradicional de Joe Rogan.

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Foi inteligente da parte dos jornalistas científicos aceitarem a autoridade de uma carta de fevereiro de 2020, assinada por 27 cientistas e publicada na revista The Lancet, insistindo febrilmente na “origem natural” da covid? Não se esses jornalistas tivessem comprovado os vínculos entre o autor principal da carta e o laboratório de Wuhan (um fato, como o jornalista Nicholas Wade sublinha num ensaio referencial no The Bulletin of the Atomic Scientists, que é de conhecimento público há meses).

Foi sensato supor que a OMS, que tem servido de porta-voz da propaganda do regime chinês, tinha autoridade quanto ao que se considerava como “desinformação” sobre a covid no Facebook, que em fevereiro baniu a tese do vazamento da sua plataforma? Não se o objetivo de companhias como Facebook é unir o mundo, em oposição à lavagem de desinformação do governo chinês enquanto modela seus métodos não liberais.

O Facebook fez uma reformulação na semana passada. Organizações de notícias estão silenciosamente corrigindo (ou editando às ocultas) notícias depreciativas do ano passado, às vezes usando o artifício de novas informações sobre funcionários do laboratório de Wuhan infectados no outono de 2019 com uma doença como a covid-19. E a comunidade de saúde pública vem fazendo um novo exame da sua história sobre a origem da covid.

Mas mesmo agora temos uma percepção clara de que as mentes independentes dificilmente estão funcionando. Se a teoria de um vazamento do vírus de um laboratório finalmente tem agora a atenção que sempre mereceu é principalmente porque Joe Biden autorizou uma investigação e Anthony Fauci admitiu ter dúvidas quanto à alegação da origem natural do vírus. Em outras palavras, o presidente certo e o especialista em saúde pública certo privilegiaram uma determinada linha de investigação.

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Mas a teoria do vazamento, no final sendo correta ou não, sempre foi crível. Mesmo que Tom Cotton acreditasse nela. Mesmo que o “consenso” científico a contestasse. Mesmo que os fanáticos - que raramente precisam de um pretexto - tirassem conclusões tendenciosas dela.

O bom jornalismo, como a boa ciência, deve buscar evidências, não narrativas. Deve prestar atenção tanto aos inoportunos inteligentes como às autoridades eminentes. E jamais tratar discordâncias honestas como heresia moral.

Qualquer pessoa que pergunte porque tantas pessoas se tornaram tão hostis aos pronunciamentos das autoridades de saúde pública e jornalistas científicos deve tirar a conclusão apropriada desta história. Quando faz uma preleção para o público sobre os perigos da desinformação, é melhor que você também não dissemine mentiras. /Tradução de Terezinha Martino

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