O que aprendi sendo 'trolado'

Thomas Jefferson com frequência dizia que uma população educada é um elemento fundamental para a sobrevivência da democracia. Hoje vivemos em uma era em que a educação se desenvolve especialmente por meio de novas plataformas. Redes Sociais, como Facebook, Twitter, Instagram e outras, são os principais mecanismos pelos quais as pessoas recebem e compartilham fatos, ideias e opiniões. Mas o que ocorre quando essas novas tecnologias estimulam a desinformação, os rumores e a mentira?

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Por Fareed Zakaria
Atualização:

Num amplo estudo do Facebook realizado recentemente, com a análise de postagens entre 2010 e 2014, um grupo de especialistas concluiu que as pessoas compartilham principalmente informações que confirmam seus preconceitos, e não dão atenção aos fatos e à veracidade da informação.

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Como resultado, segundo os estudiosos, observamos uma “proliferação de relatos tendenciosos fomentados por rumores infundados, desconfiança e paranoia”. Os autores estudaram especificamente a chamada “trolagem”, termo usado para postagens abusivas e agressivas em que as pessoas inventam informações provocativas, com frequência falsas e procuram difundi-las amplamente. Os autores do estudo afirmam que “muitos mecanismos produzem falsas informações para serem aceitos, e por sua vez provocam falsas crenças que, quando aprovadas, resistem vigorosamente à retificação”.

Ocorre que nas últimas semanas fui alvo de uma campanha desse nível e vi exatamente como funciona. Teve início quando um obscuro website publicou a seguinte postagem: “Fareed Zakaria da CNN defende o estupro jihadista de mulheres brancas”. O artigo afirmava que em meu “blog privado” defendi que as mulheres americanas tinham de ser utilizadas como “escravas sexuais” para dizimar a raça branca. Mais à frente, a matéria afirmava que em minha conta no Twitter eu tinha postado a seguinte frase: “A cada morte de um branco derramo lágrimas de alegrias”.

Asqueroso, a ponto de essas informações sucumbirem diante da sua inconsistência, correto? Não, errado. Eis o que ocorreu em seguida: centenas de pessoas passaram a se conectar, tuitar e repassar as informações, acrescentando comentários, muito vulgares ou racistas para repetir neste artigo. Alguns websites de extrema direita reeditaram a história como verdadeira. O nível de histeria aumentou e as pessoas começaram a exigir minha demissão, deportação, ou morte. Durante alguns dias a intimidação digital chegou ao mundo real. Algumas pessoas ligaram para minha casa tarde da noite, despertaram e ameaçaram minhas filhas, que têm7 e 12 anos.

Bastaria um minuto para clicar no link e ver que a postagem original partira de um website de notícias falso, que se qualifica como satírico. Bastaria um pouco de bom senso para perceber o absurdo da acusação. Mas nada disto importava. As pessoas que propagaram as informações não estavam interessadas nos fatos, mas em nutrir o preconceito.

A matéria original foi astutamente escrita para oferecer aos especialistas em teorias de conspiração munição para ignorar as evidências. E o site afirmava que eu retirei a postagem depois de algumas horas ao perceber que ela “provocara uma reação negativa”. Então, quando o responsável pelas falsas informações declarou não existir prova da postagem em nenhum lugar, isto não fez nenhuma diferença. A prova de que as informações eram totalmente falsas levou muitas pessoas a se convencerem de que houve uma conspiração e a tentativa de encobri-la.

Segundo minha própria experiência, a conversa no Facebook é mais cívica porque as pessoas no geral têm de revelar sua verdadeira identidade. Mas no Twitter e em outros espaços as pessoas podem se manifestar anonimamente ou por meio de pseudônimos. É aí que a irritabilidade e o veneno fluem livremente.

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Elizabeth Kolbert, escrevendo na The New Yorker, lembrou um experimento de dois psicólogos em 1970. Eles dividiram os alunos em dois grupos com base nas respostas que deram a um questionário: os muito preconceituosos e aqueles com menos preconceito. E solicitaram a cada grupo que discutisse alguns temas controvertidos. Posteriormente as perguntas foram formuladas novamente. “Os estudos revelaram um padrão surpreendente. Apenas conversando um com o outro, os alunos preconceituosos se tornaram ainda mais radicais e os tolerantes mais tolerantes, observou Kolbert. Esta “polarização de grupo” hoje se verifica a uma enorme velocidade e no mundo inteiro. É assim que ocorre a radicalização e o extremismo se propaga.

Adoro a mídia social. Mas de alguma maneira temos de criar mecanismos melhores para distinguir entre o que verdade e o que é mentira. Não importa o quão entusiastas são as pessoas, não importa o quão inteligentemente elas se comunicam em um blog ou num tuíte ou numa postagem abusiva, não importa o quão virais as coisas se tornam, mentiras são mentiras. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

FAREED ZAKARIA É COLUNISTA

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