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O show de Trump

Por Adriana Carranca
Atualização:

Ele terá controle sobre 16% do PIB global, decidirá o curso da economia de maior peso no comércio mundial, que domina o sistema monetário, e do mercado financeiro. Assumirá o posto de comandante-chefe das Forças Armadas de uma potência nuclear, com orçamento de US$ 600 bilhões - 39% de todo o gasto na área de defesa no mundo. Ele terá poder de veto no Conselho de Segurança da ONU, que delibera sobre ações contra ameaças à segurança mundial, decidindo sobre guerras civis, controle de armas, não proliferação nuclear, terrorismo, resposta a desastres naturais, envio de tropas de paz; indica nomes a secretário-geral e aprova a admissão de novos integrantes da organização e elege os juízes da Corte Internacional de Justiça. Estará à frente, ainda, do país com mais influência na Organização do Tratado do Atlântico Norte, aliança militar de 28 países, com missões espalhadas pelo mundo. Como presidente dos Estados Unidos, levará consigo todo o tempo e onde estiver a célebre maleta com códigos secretos para lançamentos nucleares, entre outros dados confidenciais da Casa Branca. Ele pode ser Donald Trump. Trump venceu as primárias em três Estados - a última, em Nevada, com 45% dos votos - e tem a preferência do eleitor republicano em 9 dos 12 Estados onde haverá votação na próxima terça-feira, a Superterça. No último debate, anteontem, seus adversários partiram para o ataque, acusando-o de "oportunismo político", desconhecimento da administração pública e falta de ética nos negócios que o transformaram em magnata. Trump não se abalou. A julgar pelas redes sociais, a reação dos senadores Marco Rubio e Ted Cruz pareceu aos eleitores como ato de desespero dos que estão vendo escorrer pelos dedos as chances de disputar a Casa Branca. E pode ter vindo tarde demais. Até agora, os democratas acreditavam que Trump seria um candidato mais fácil de vencer. Mas pesquisas de intenção de votos em uma simulada disputa entre o magnata e a pré-candidata Hillary Clinton mostram que ela venceria por apenas 3 pontos porcentuais, segundo a Economist. Muitas das decisões do presidente americano dependem da aprovação do Congresso. Ainda assim, é difícil imaginar Trump na posição do líder mais poderoso do mundo. O próximo presidente chegará ao poder em meio a uma queda de braço com a Rússia em torno de uma das mais sangrentas guerras, que já deixou 250 mil mortos na Síria. Será o responsável por levar adiante (ou não) passos importantes dados pela política externa de Barack Obama: a histórica reaproximação com Cuba e o acordo nuclear com o Irã, entre eles. As propostas de Trump para essas questões não são claras. Se o atual presidente não acelerar o fechamento de Guantánamo, caberá a seu sucessor fazê-lo. E ele poderá ser o homem que, segundo suas declarações, pretende ver a prisão "carregada de caras maus", exalta a tortura, sugere a execução de terroristas com balas mergulhadas no sangue de porcos, propõe como estratégia de combate ao Estado Islâmico matar as famílias dos extremistas, critica os EUA por lutar guerras "politicamente corretas" e defende que qualquer muçulmano seja proibido de pisar no país. Alguém que se referiu aos mexicanos que chegam nos EUA como "estupradores", quer construir um muro na fronteira entre os dois países e deportar 11 milhões de imigrantes. Trump chegou até aqui sem apoio de canais conservadores com grande poder de influência política, como Fox News, de tradicionais doadores de campanha ou da liderança do partido - no lugar disso, arranjou brigas internas, atacou nomes como John McCain e o ex-presidente George W. Bush, e defendeu posições contrárias aos republicanos. Ele tem votos na classe média baixa - em Nevada, segundo a CNN, 57% de seus eleitores não têm ensino superior. É uma parcela que vê imigrantes como uma ameaça ao emprego, tem muitos de seus jovens nas Forças Armadas, viu-os morrer aos milhares no Afeganistão e no Iraque e enxerga os muçulmanos com suspeita. Mas não são a maioria. O que explica, então, a ascensão extraordinária de Trump? A resposta pode ser: entretenimento. A campanha de Trump é um subproduto dos reality shows que inundaram as TVs nos últimos dez anos. Ele age na política como em O Aprendiz - o conteúdo importa menos do que chamar a atenção. O problema disso é que nos reality shows vencer é um fim em si. O que vem depois é imprevisível.  

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