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O terror de Beirute a Paris

Hecatombe na periferia ao sul de Beirute e em Paris: atacados cruelmente, a poucas horas de intervalo, pela mesma mão terrorista, mergulhados em uma guerra sem perdão que lhes foi declarada pelos extremistas do Estado Islâmico, libaneses e franceses veem um novo e trágico capítulo ser acrescentado nessa longa etapa da história que já compartilhavam.

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Por Issa Goraieb
Atualização:

Essa relação particular entre França e Líbano, mais exatamente os cristãos maronitas libaneses, remonta a 1248. Nessa época de fato, e num sinal de reconhecimento pelos maronitas que participaram das cruzadas na Terra Santa, o rei Luis IX (São Luis) lhes ofereceu sua proteção. Uma proteção que apenas se consolidou no decorrer dos séculos seguintes, culminando com uma intervenção armada por ocasião dos massacres de cristãos em 1860, quando então Napoleão III enviou um corpo expedicionário para o Líbano sob domínio otomano. Após o fim da Primeira Guerra Mundial, com o colapso do império Otomano, foi também a potência mandatária francesa que proclamou, em 1920, o nascimento do Estado do Grande Líbano tal como existe hoje. Mas ainda não foi o fim do idílio, pois a França não cessou, nas últimas décadas, de demonstrar ativamente sua solicitude para com o Líbano.

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Dúvidas. O problema é que, com as convulsões que têm abalado o Oriente Médio nas últimas décadas, o papel regional da França tornou-se objeto de discórdia entre os libaneses, e a polêmica só se intensificou com as sangrentas batalhas na Síria. O chefe do Hezbollah, aliado do presidente Bashar el-Assad, condenou os atentados de Paris. Mas os meios de comunicação pertencentes à essa milícia pró-iraniana retomaram em coro o cínico argumento apresentado pelo próprio Assad, que afirma que esses ataques são resultado do apoio da França aos rebeldes sírios. Em outras palavras, a França teve o que mereceu.

Por seu lado, os libaneses ainda resolutamente fiéis à amizade com a França criticam os franceses por não terem se preparado suficientemente para enfrentar uma ameaça terrorista que, no entanto, a cada dia era mais evidente após os atentados de janeiro passado. Aliás, como inúmeros franceses, eles questionam porque foi somente após o atentado (e que atentado) que as autoridades francesas adotaram medidas de exceção, como a decretação do estado de emergência.

A mesma crítica é feita no caso das prisões em massa, perseguições e batidas policiais que se sucederam, ao passo que inúmeros jihadistas com cidadania francesa há muito tempo já tinham sido localizados, fichados e sob vigilância.

Mas esse mesmo fenômeno ocorre no Líbano, onde apenas no dia seguinte aos atentados perpetrados por suicidas contra um bairro da periferia xiita de Beirute que as operações policiais se multiplicaram, permitindo descobrir importantes esconderijos de armas e explosivo: um pouco tarde, neste caso também.

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Preocupações. No plano político, esses mesmos libaneses pró-ocidentais se preocupam com o tom mais atenuado da França no tocante à Síria, proclamando, por meio do presidente François Hollande, que nosso inimigo na Síria é o Estado Islâmico.

Quer dizer que Paris, reaproximando-se de Moscou e demandando a criação de uma coalizão internacional ampliada, deixou de exigir a saída de Bashar Assad? Trata-se apenas de uma inversão das urgências e prioridades que irá beneficiar, e muito, o presidente sírio A tais inquietações é preciso acrescentar o sentimento de frustração e amargura que predomina entre os libaneses em geral, face ao espetáculo de imensa simpatia para com a França observado nos quatro cantos do planeta, ao passo que a opinião pública do mundo mostrou-se estranhamente indiferente aos infortúnios do país do Cedro, objeto das mesmas e bárbaras agressões terroristas.

Mas isso não impediu as autoridades de Beirute de iluminarem nas cores das duas bandeiras, libanesa e francesa, um dos sítios naturais mais célebres da capital: a Gruta dos Pombos, rocha de calcário modelada em forma de arco pela erosão provocada pelo Mediterrâneo. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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