Obama e Putin trocam acusações na ONU por agravamento de crise na Síria

Líder russo diz que governo americano aprofunda o sofrimento dos sírios ao apoiar grupos da ‘oposição moderada’ a Assad; americano, por seu lado, diz que paz só será possível com saída de ditador do poder

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Por Cláudia Trevisan e NOVA YORK
Atualização:

Em discursos na ONU separados por menos de duas horas, os presidentes Barack Obama e Vladimir Putin se acusaram nesta segunda-feira pela tragédia que se abate sobre a Síria e defenderam propostas divergentes e irreconciliáveis para pôr fim ao conflito de mais de quatro anos, no qual pelo menos 220 mil morreram.

Putin criticou a política americana de armar e treinar a oposição “moderada” a Bashar Assad e disse que é um erro não apoiar o dirigente sírio em sua luta “cara a cara” com grupos terroristas, em especial o Estado Islâmico.

Obama e Putin brindam durante almoço promovido pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon Foto: Amanda Voisard / AFP

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Assumindo a iniciativa em relação ao tema, o líder russo propôs a formação de uma ampla coalizão internacional para o combate do extremismo, semelhante à formada na 2.ª Guerra para enfrentar o nazismo.

A coordenação internacional também foi defendida por Obama, que discursou antes de Putin. Mas ele reiterou a posição americana de exigir o afastamento de Assad e rejeitar a volta ao status anterior ao início do conflito. Segundo Obama, o sírio é o principal responsável pela crise em seu país. “Assad reagiu a protestos pacíficos com o aumento da repressão e matança que, por sua vez, criaram as condições para o atual conflito.”

Putin apresentou uma narrativa distinta: para ele, a turbulência em que países do Oriente Médio e do Norte da África estão mergulhados decorrem de intervenções militares que destruíram instituições nacionais. “Em vez do triunfo da democracia e do progresso, nós temos violência, pobreza e desastre social”, observou.

Em sua opinião, a estratégia americana de apoiar a chamada “oposição moderada” a Assad amplia a ameaça terrorista. “Eles são treinados e armados. Depois, desertam para o Estado Islâmico.”

Obama sustentou que será impossível obter estabilidade na Síria sem o afastamento do dirigente do país, que já perdeu parte de seu território para o EI. “Assad e seus aliados não podem simplesmente pacificar a ampla maioria da população que foi brutalizada com armas químicas e bombardeios indiscriminados”, afirmou.

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“Quando um ditador massacra dezenas de milhares de seu próprio povo, isso não é mais uma questão restrita aos assuntos internos – isso produz sofrimento de uma magnitude que afeta a todos nós”, ponderou Obama, defendendo resposta coordenada dos membros da ONU. O presidente aplicou o mesmo raciocínio à violência do EI, que classificou como um “assalto a toda a humanidade”.

Depois de discursarem na 70.ª Assembleia-Geral da ONU, Obama e Putin se cumprimentaram e fizeram um brinde no almoço oferecido pelo secretário-geral da organização, Ban Ki-moon. No fim da tarde, ambos tiveram um encontro bilateral, o primeiro em dez meses.

Em seu discurso, Obama reconheceu o impacto negativo da invasão do Iraque e fez um mea-culpa da atuação internacional na Líbia, onde uma coalizão internacional levou à queda de Muamar Kadafi, mas foi incapaz de evitar o desmantelamento das instituições estatais. “Ainda que tenhamos ajudado o povo líbio a encerrar o reinado de um tirano, a coalizão poderia e deveria ter feito mais para preencher o vácuo.”

Putin usou a mesma palavra, “vácuo”, para criticar a ação na Líbia e lembrou que muito do reforço do EI vem do país e do Iraque. Sem a estabilização da região, será difícil eliminar a ameaça terrorista, admitiu Obama. 

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