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Obama longe do Golfo

 Mais que uma simples declaração de intenções, mas bem menos que um tratado de aliança formal. Uma série de promessas, mas poucas garantias reais. Assim poderia ser descrito o contrato que regerá de agora em diante as relações entre EUA e as seis monarquias petrolíferas árabes do Golfo reagrupadas em um Conselho de Cooperação. 

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Por Issa Goraieb
Atualização:

Tradicionalmente muito estreitas, essas relações conheceram nos últimos tempos períodos de incerteza, se não de tensão, e o mal-entendido só se agravou à medida que tomava contornos precisos a reaproximação entre os EUA e o Irã. A recente assinatura de um acordo prévio sobre o programa nuclear iraniano fez soprar uma verdadeira rajada de pânico sobre esses reinos. Contrariamente às visões de Washington, consideradas ingênuas, os soberanos do Golfo, todos sunitas, estão convencidos de que o Irã xiita está prestes a se dotar de uma arma atômica em poucos anos; sobre esse ponto eles não temem se encontrar objetivamente do mesmo lado da barricada que Israel. 

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Esses reis e emires sustentam também que um levantamento das sanções internacionais que atingem o Irã não terá outro efeito senão decuplicar a capacidade de perturbação desse país que já financia generosamente numerosos grupos subversivos que agem no Iraque, na Síria, no Líbano e, mais recentemente, no Iêmen. 

Daí a se questionar se o governo Obama não está revertendo dissimuladamente suas alianças nessa parte do mundo basta um passo. E a posição de Washington diante das diversas “primaveras árabes” tem instigado mais de um dos monarcas do Golfo a fazê-lo. 

Os líderes sunitas ficaram traumatizados com a facilidade com que os Estados Unidos abandonaram seu velho amigo, o então presidente egípcio, Hosni Mubarak. Com respeito à Síria, ao contrário, é a frouxidão com relação a Bashar Assad e seu pouco empenho em sustentar os rebeldes que os membros do Conselho de Cooperação do Golfo recriminam em Barack Obama. Para coroar tudo, eles não receberam nada bem as recomendações americanas que os incitam a empreender reformas democráticas. 

Particularmente vivas são a inquietude e a frustração da Arábia Saudita, cuja aliança com os Estados Unidos remonta ao dia de fevereiro de 1945 em que o presidente Franklin Delano Roosevelt recebeu o fundador do reino, Abdel-Aziz Ibn Saud, no cruzador Quincy que trafegava pelo Canal de Suez. Em troca de seu petróleo, Ibn Saud obteve a proteção dos EUA e a crise atual de confiança é a mais grave que esse acordo já conheceu. Prova disso é a decisão do rei Salman, imitada nisso por outras três cabeças coroadas, de não comparecer pessoalmente às consultas que ocorreram na quarta-feira na Casa Branca e na quinta-feira em Camp David, perto de Washington. Evidentemente, o rei, que se fez representar pelos herdeiros do trono, apresentou cortesmente suas desculpas por telefone ao presidente americano. 

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Mas os motivos invocados para sua ausência (inauguração de um fundo de socorro, necessidade de velar pela boa aplicação da trégua humanitária no Iêmen) são risíveis. Apesar dos desmentidos publicados de uma parte e de outra, eles foram amplamente percebidos como uma afronta infligida ao homem mais poderoso do mundo. 

Quando se lê o comunicado comum publicado no encerramento dessas consultas, a impressão é que o presidente americano não poupou esforços para acalmar as apreensões de seus convidados, sem, contudo, conceder-lhes o que eles ardentemente desejavam: compromissos concretos. 

Assim, Obama se disse determinado a anular qualquer manobra de desestabilização iraniana na região, mas continua convencido da legitimidade de sua política de abertura para Teerã. Além disso, o presidente americano proclama sua determinação de proteger seus aliados contra qualquer agressão externa, mas para ele não se trata de fazer um pacto de defesa mútua do tipo Otan, nem mesmo disposições militares formais semelhantes às estabelecidas com o Japão e a Coreia do Sul – qualquer convenção desse gênero requereria, de fato, a aprovação do Congresso americano. 

Foram vislumbrados apenas um reforço das capacidades defensivas dos reinos do Golfo, uma melhor sincronização dos sistemas antimísseis da região e uma multiplicação das manobras militares conjuntas árabe-americanas. Tudo isso é pouco para dissipar os pesadelos que assombram os palácios nos desertos encharcados de petróleo. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK 

É JORNALISTA DO 'L'ORIENT-LE JOUR', DE BEIRUTE, E COLUNISTA DO 'ESTADO' 

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