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Obsessão com Irã está enlouquecendo os EUA

Americanos e sauditas devem deixar de se inquietar com a ameaça do Irã e apoiar as reformas no mundo islâmico

Por Thomas Friedman (The New York Times)
Atualização:

Se há um denominador comum explicando os mais recentes acontecimentos no Oriente Médio – entre Arábia Saudita, EUA, Síria, Israel e Iêmen –, ele está contido em uma palavra: Irã. Todo mundo está fixado no crescente poder e influência do Irã, incluindo o próprio Irã, e essa obsessão vem enlouquecendo muitas pessoas.

Palestinos ateiam fogo à bandeira dos Estados Unidos em Jerusalem Foto: AFP photo -musa-al-shaer

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Por exemplo, o governo de Donald Trump, como o de Barack Obama, quer sair do Oriente Médio. Mas, ao mesmo tempo, quer que a influência iraniana seja a menor possível. A Arábia Saudita, sob comando do príncipe Mohamed bin Salman, mais conhecido como MBS, deseja assumir a liderança no Oriente Médio e reformar sua economia para o século 21, mas também reduzir a influência iraniana na região o máximo possível.

Os iranianos querem aumentar essa influência – expandi-la não com a criação de um modelo de desenvolvimento atrativo e competente que árabes e muçulmanos gostariam de copiar, mas forçando sua penetração no Líbano, no Iêmen, na Síria e no Iraque usando milícias xiitas locais.

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Tudo isso tem criado muito nervosismo no mundo árabe, nos EUA e em Israel, mas são poucas as pessoas que param e pensam: O que Teerã realmente quer? O Irã tem uma população muito talentosa e a riquíssima cultura persa. Mas, em vez de liberar ambas e permitir que a juventude desempenhe seu pleno potencial, tornando o país influente por essa via, os aiatolás reprimem esses talentos e ampliam o poder dos mercenários xiitas no Líbano, na Síria, no Iraque e no Iêmen, forçando sua influência.

Na verdade, é uma situação patética. O melhor que EUA e Arábia Saudita devem fazer é deixar de se inquietar com essa “ameaça” e se concentrar em seus programas de reforma no plano doméstico. Essa será a maior vingança contra Teerã.

Em primeiro lugar, os líderes americanos, europeus e árabes deveriam todos incentivar MBS a seguir um caminho que nenhum líder saudita ousou – ou seja, acabar com o domínio da direita religiosa no reino. Mas, para Salman conseguir implementar seu programa, é necessário uma Arábia Saudita forte, economicamente robusta. Infelizmente, o país está longe disso.

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Muitos sauditas estão preocupados com emprego e educação, não com o Irã. Exatamente porque as reformas são tão cruciais, os amigos de Salman têm de lhe dar apoio, mas também ser firmes com ele, reiterando que é ótimo prender bilionários ladrões no Ritz-Carlton, mas que isso tem de ser feito com transparência e de acordo com a lei, o que só fortalecerá sua legitimidade. 

No campo da política externa, os verdadeiros amigos do príncipe também devem lhe dizer que, embora o Irã amplie sua influência, os sauditas não têm hoje o poder necessário para enfrentá-lo. Os iranianos passaram 40 anos desenvolvendo sua influência por redes clandestinas xiitas. Enquanto isso, os sauditas financiaram milícias sunitas, que nunca se deixaram comprar.

Ou adquiriram sistemas de armamentos inúteis numa era de guerras que não envolvem forças regulares – além de liderar bombardeios aéreos no Iêmen que provocaram muitas mortes de civis, doenças e fome e um beco sem saída para Riad. A Arábia Saudita necessita pôr fim a essa guerra e sair do Iêmen, mesmo que isso signifique mais influência iraniana na região.

Um banqueiro do Kuwait disse-me que a popularidade de Salman entre as mulheres e a juventude do seu país é algo que jamais se viu. Os jovens do Kuwait vêm perguntando por que não existe alguém que também jogue seus príncipes corruptos no Ritz-Carlton ou em uma tenda no deserto? Por que na família real kuwaitiana não há ninguém como MBS? Mas eles não apreciam a política externa saudita. MBS granjearia mais simpatia se evitasse incursões mal formuladas e obcecadas pelo Irã no âmbito da sua política externa.

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Minha opinião sobre a Arábia Saudita é simples: como o país adiou por tanto tempo as reformas, a grande interrogação não é se MBS é impulsivo, brutal ou errado. Mas se não seria tarde demais – se a Arábia Saudita hoje não é um país impossível de ser reformado. Penso que não, mas é por isso que, com todos os defeitos de MBS, é preciso colaborar com ele para aumentar suas chances de sucesso. Se ele conseguir transformar Jeddah numa outra Dubai, onde tantos iranianos adoram passar suas férias, ele conseguirá aumentar sua influência na região e reduzir a do Irã.

A última coisa que a Arábia Saudita ou seus aliados árabes precisavam é que Trump transferisse a embaixada dos EUA para Jerusalém. A medida é desestabilizadora e desnecessária. E um presente para Irã e Hezbollah. Pode apostar que a usarão para apresentar os sauditas, jordanianos, os Emirados Árabes, a Autoridade Palestina e o Egito como facilitadores de uma “agenda sionista” americana.

Neste momento em que o Irã amplia sua influência e nossos aliados árabes estão envolvidos com reformas internas – que exigem sofrimento e colocam em xeque a legitimidade dos seus líderes, esta é a última coisa que eles desejam dos EUA. A questão de Jerusalém foi uma maneira patética escolhida por Trump para desviar a atenção do seu fracasso total na questão palestina. E uma maneira patética de esconder o fato de que os EUA hoje não estão presentes no Oriente Médio. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO É COLUNISTA

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