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Odebrecht e empresa de primo de Macri pagaram propina na Argentina

Segundo empreiteira brasileira, suborno em obra ferroviária pago no período Kirchner teve participação da construtora Iecsa; companhia foi vendida pelo pai do presidente a um sobrinho em 2007, quando Mauricio assumiu a prefeitura de Buenos Aires

Foto do author Beatriz Bulla
Foto do author Fausto Macedo
Por Fabio Serapião , Beatriz Bulla e Fausto Macedo
Atualização:

Em seu acordo de colaboração com a Justiça, a Odebrecht confirmou ter efetuado pagamentos de propina na Argentina relacionados à obra do trem subterrâneo Sarmiento, que liga Buenos Aires ao município de Moreno, na região metropolitana. A empreiteira aponta pagamentos nas gestões da família Kirchner, que ficou no poder entre 2003 e 2015, mas também relata repasses de suborno relacionados à empresa Iecsa, do primo de Mauricio Macri, atual presidente.

A Odebrecht não cita pagamentos diretos para Macri, mas detalha seus negócios com a empresa que tem entre os donos um primo do presidente, Angelo Calcaterra. O empresário é o atual dono da Iecsa, uma das construtoras que formam o consórcio responsável pela obra. A empresa pertenceu ao pai do presidente, Franco Macri, até 2007, ano em que Mauricio assumiu a prefeitura de Buenos Aires. As outras empresas consorciadas, além da Odebrecht, são a espanhola Comsa e a italiana Ghella.

Presidente argentino, Mauricio Macri Foto: EFE/Mariscal

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Conforme a Odebrecht, a empresa do primo de Macri participou das tratativas para pagamento de propina na obra da linha Sarmiento e alimentou o caixa dois do qual saíram a pagamentos a integrantes do governo Kirchner. Na documentação utilizada para pedir as prisões da fase Omertá da Lava Jato, deflagrada em 26 de setembro de 2016, ao menos três executivos da empreiteira são mencionados em documentos do Setor de Operações Estruturadas, o departamento da propina, relacionadas a pagamentos irregulares nas obras do trem Sarmiento. Nas conversas em posse da PF, Ernesto Baiardi, Mauricio Couri Ribeiro e Fernando Migliaccio aparecem em e-mails sobre os repasses.

Em e-mails encontrados no backup de Couri Ribeiro, a PF localizou ao menos 5 mensagens relacionadas ao pagamento de propina nas obras do trem de Sarmiento. Uma delas, de junho de 2010, cita uma reunião para debater o pagamento de propina com um engenheiro que trabalha na empresa do primo de Macri. Com o título “Reunião com Sánchez Caballero”, o e-mail menciona 4 itens que seriam abordados no encontro. Um dos temas apontados na conversa é “DGI’S – Contacto directo”.

Sánchez Caballero é Javier Sánchez Caballero, à época diretor da Iecsa. Já a sigla DGI, segundo a PF, era utilizada pelos executivos da Odebrecht em referência ao pagamento de propina. “Observa-se que DGI é associado tanto ao Setor de Operações Estruturadas quanto a pagamentos de vantagens indevidas, corroborando-se, assim, a conclusão de que a empregada sigla fazia menção a pagamentos ilícitos operacionalizados pelo setor”, afirma a PF sobre o termo utilizado no e-mail.

Em outra mensagem, intitulada “Reunión Sarmiento”, Couri Ribeiro relaciona três valores de DGI (propina) que no total somam US$ 20 milhões. No mesmo e-mail, há uma citação a Lourenço Ghella, da empreiteira italiana que também participa do consórcio para execução da obra na linha Sarmiento.

Era Kirchner. A PF encontrou também uma troca de e-mails sobre supostos repasses no exterior. Há registro de uma ordem de pagamento dada pelo diretor da Odebrecht América Latina na época, Couri Ribeiro, a e-mail controlado por Fernando Migliaccio, um dos responsáveis por operar contas da empreiteira no exterior usadas para pagamento de propina.

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Migliaccio é um dos 78 delatores, mas negociou seu acordo fora do pacote da empresa. Ele foi preso na Suíça e aceitou voltar ao Brasil para colaborar com o Ministério Público Federal.

Na mensagem, Couri reencaminhava um e-mail de uma funcionária da Odebrecht na Argentina. Também foi identificado o nome de Manuel Vázquez, então assessor de Ricardo Raúl Jaime, ex-secretário de Transportes na Argentina durante a era Kirchner.

Em um despacho de fevereiro de 2016, após citar as trocas de e-mails, o juiz Sérgio Moro indica que a PF já suspeitava dos problemas na obra ferroviária. “Verificou a autoridade policial, em pesquisa em fontes abertas, que na época dos fatos a Odebrecht estava na iminência de assinar um aditamento do contrato do Soterramento do Ferrocarril Sarmiento, celebrado diretamente com a Secretaria de Transportes”, escreveu o juiz.

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Procurado, Macri disse, por meio de sua assessoria, que não pode opinar sobre fatos de uma empresa que não é dele e de uma obra realizada nos governos Kirchner. O Estado questionou a Odebrecht em nome do consórcio responsável pela obra do trem Sarmiento. Por meio de sua assessoria, a empreiteira sustenta em nota que “reafirma seu compromisso de colaborar com a Justiça.” Diz ainda que assinou acordo com autoridades do Brasil, EUA e Suíça e já “possui entendimentos avançados com alguns países da América Latina para esclarecer sua participação em atos praticados pela companhia.” 

“A Odebrecht adotará as medidas adequadas e necessárias para continuamente aprimorar seu compromisso com práticas empresariais éticas e de promoção da transparência em todas as suas ações”, completa a nota. O Estado tentou contato com a Iecsa, por meio do e-mail e telefone publicados em seu site, mas não obteve retorno.

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