Ofensiva militar de Assad ameaça diálogo, diz ONU

A organização teme que os ataques a Alepo e as eleições legislativas consideradas ilegítimas deteriorem a confiança entre as partes

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Por Jamil Chade CORRESPONDENTE e GENEBRA
Atualização:

A ofensiva militar do regime de Bashar Assad para reconquistar partes de Alepo pode ameaçar o processo de paz em Genebra. O alerta foi feito ontem pela ONU, no primeiro dia da retomada das negociações na Suíça. O processo, segundo os mediadores, ainda foi minado pela decisão de Assad de promover eleições legislativas, consideradas “ilegítimas” pela oposição e pelos governos ocidentais. 

O objetivo das conversas em Genebra é justamente o de criar condições para uma transição política e eleições reconhecidas. Mas o temor é que, diante da ofensiva militar por parte do regime com ajuda russa, a oposição rejeite continuar negociando. “Os incidentes, se continuarem a se repetir, podem repercutir negativamente e deteriorar o espírito e a confiança entre as partes”, alertou o mediador da ONU, Staffan De Mistura.

O presidente Bashar Assad, acompanhado de sua mulher, Asma, vota em Damasco Foto: Syrian Presidency via AP

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Conversações. O diplomata revelou que tratou dessa nova situação com a oposição, que ontem iniciou a segunda fase das conversações em Genebra. “Falei sobre essa minha preocupação pela deterioração da situação de segurança”, indicou De Mistura. 

O cessar-fogo que entrou em vigor em 27 de fevereiro ainda é considerado válido. Mas diplomatas ocidentais ouvidos pelo Estado indicaram que ele vive hoje seu momento de maior fragilidade. 

Nas últimas semanas, o regime avançou sobre Alepo, o maior reduto dos grupos rebeldes. “Apenas em março foram registrados 21 massacres cometidos pelo regime”, denunciou Esad al-Zoubi, um dos membros da delegação dos grupos opositores. “Em março, foram 420 bombas disparadas pelo regime”, afirmou, em Genebra. Ele também acusa o governo Assad de ter cometido de 2 mil violações do cessar-fogo.

Hoje, o mediador voltará a pedir aos governos dos Estados Unidos e da Rússia que pressionem seus aliados no terreno a respeitar o acordo. “É necessário que esses incidentes sejam contidos”, disse.

A embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, Samantha Power, adotou o mesmo tom, indicando que a violência em Alepo pode “tirar as negociações dos trilhos”.

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“Estamos muito preocupados e os russos precisam recolocar o regime no programa”, declarou. Segundo a inteligência americana, a ofensiva do regime está tendo o apoio das forças aéreas russas, da guarda revolucionária iraniana e de combatentes do grupo xiita Hezbollah, do Líbano.

Voto. Outro golpe contra o processo de diálogo veio das urnas. Ainda ontem, a Síria realizou suas eleições legislativas, denunciadas pela oposição e os países ocidentais como “um teatro”. Assad fez questão de convocar a votação, apesar de a ONU propor eleições gerais em 18 meses, com a participação de todos os lados políticos e sob monitoramento internacional.

Foram eleitos 250 deputados para um Congresso que não tem poderes reais no sistema sírio. O governo russo, principal aliado de Assad, saiu em seu apoio. “Existe um entendimento de que uma nova Constituição deve existir na Síria. Mas, antes que isso ocorra, não devemos deixar qualquer vácuo de poder”, afirmou o chanceler russo, Serguei Lavrov. 

O ministro das Relações Exteriores da Síria, Walid Moualem, insistiu que o pleito mostrava que “o povo sírio é quem escolhe seu destino”. No total, 3,5 mil candidatos se apresentaram. Mas, nos centros de votação, apenas a foto de Assad era autorizada. 

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Falando à televisão estatal ao lado de sua mulher, Asma, o presidente fez questão de indicar que era a primeira vez em que um chefe de Estado votava na Síria. Mas a eleição ocorreu apenas nos locais controlados pelo regime, cerca de um terço do território sírio.

Para a oposição e para mediadores na ONU, a realização da eleição deve ser vista como um recado do governo Assad de que, nas negociações de paz, não abrirá mão do poder. Ontem, seus principais ministros alertaram que a proposta de um governo de transição sem Assad “jamais será aceito”.

Transição. De Mistura espera concentrar a negociação que começou ontem justamente num modelo de transição política para a Síria. O governo promete que sua delegação desembarcará em Genebra amanhã. 

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Para o líder da oposição, a eleição está ocorrendo para minar o processo negociador. “Essas eleições não são legítimas e apenas servem como pretexto para não negociar. Somente podemos concluir que o regime não está comprometido com uma solução negociada”, alertou Al-Zoubi. “A Síria somente vai se curar quando Assad sair. Ele é a doença”, acusou o líder da oposição. “O regime usará todos os instrumentos que tenha para fazer descarrilar o processo político”, disse Salem al-Meslet, porta-voz da oposição em Genebra.

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