CARACAS - Sem dar trégua, a oposição venezuelana voltou neste sábado, 27, às ruas de Caracas para protestar contra o presidente Nicolás Maduro, levantando a bandeira da liberdade de expressão, 10 anos depois do fechamento de uma importante emissora de televisão.
Milhares de pessoas marcharam rumo ao bairro Las Mercedes, no leste da capital, mas no meio da tarde foram registrados alguns distúrbios. Grupos de jovens encapuzados interditaram a principal rodovia da cidade, atravessando caminhões e montando barricadas com escombros. Eles foram dispersados com bombas de gás lacrimogêneo, e responderam com pedras e coquetéis molotov.
Aos 57 dias de protestos violentos, que deixaram mais de 50 mortos, a oposição prevê intensificar a pressão contra o governo com novas mobilizações a partir da segunda-feira. O fechamento da emissora RCTV por decisão do governo de Hugo Chávez foi um "golpe atroz contra a liberdade de expressão", disse Julio Borges, presidente do Parlamento, ao convocar a manifestação deste sábado.
Com uma linha editorial contrária ao presidente socialista, a RCTV, fundada em 1953, era a emissora aberta de maior tradição e inserção na Venezuela. Funcionários de alto escalão defenderam em 2007 a negativa de renovar a licença de operação da RCTV com uma política de "democratização" das telecomunicações. A emissora estatal TVES a substitui desde então.
"Ninguém sabe de nada. Temos que nos informar pelo Facebook e pelas redes sociais, pela internet, por canais internacionais. E também tiraram a CNN do ar", relatou Matilde Quintero, aposentada, que marchava em Caracas com um boné com as cores de seu país: vermelho, azul e amarelo.
O sinal da CNN em espanhol foi tirado do ar em fevereiro por operadoras a cabo venezuelanas por ordem do governo de Maduro, que acusa a emissora americana de fazer "propaganda de guerra". Segundo o Sindicato Nacional de Trabalhadores da Imprensa (SNTP), o fechamento da RCTV abriu o caminho para uma "política de censura e autocensura" em meios de comunicação privados.
"Quero parabenizar todos os trabalhadores e trabalhadoras da TVES (...). Completam 10 anos fazendo uma televisão humanística", disse Maduro, por telefone, durante ato pró-governo no oeste de Caracas, transmitido pela emissora oficial VTV.
O chavista insistiu em sua convocação de uma Assembleia Constituinte, com uma eleição que contemple votações por "setores sociais", o que analistas e líderes da oposição consideram uma manobra para evitar o voto universal e se perpetuar no poder.
Na sexta-feira 26, manifestações em Caracas e em outras cidades foram dissolvidas com bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e jatos d'água. A oposição pediu às Forças Armadas, cujo alto comando expressou lealdade incondicional a Maduro, para cessar a "repressão" e retirar seu apoio ao presidente.
Governo e oposição se culpam pela violência nos protestos. Maduro denuncia que seus adversários promovem "atos de terrorismo", enquanto estes o responsabilizam por uma "repressão selvagem" de militares e policiais.
Os protestos, que exigem eleições gerais, ganharam força com o chamado de Maduro a uma Assembleia Constituinte. Segundo pesquisas privadas, a administração do chavista é rejeitada por 7 em cada 10 venezuelanos, em meio a uma grave crise econômica, com a inflação mais elevada do mundo - projetada em 720% este ano pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) - e severa escassez de remédios e alimentos.
Proibição. As empresas de correio estão avisando seus clientes que a autoridade aduaneira venezuelana proibiu a importação de itens como máscaras de gás, estilingues e coletes à prova de balas usados por alguns manifestantes em protestos contra o governo.
Outros itens proibidos incluem suprimentos de primeiros socorros, como cremes contra queimaduras e gaze, de acordo com mensagens enviadas por e-mail aos clientes esta semana pelas empresas de entrega expressa. Estes produtos têm sido usados para tratar feridos nos protestos.
Dentre os serviços de correio que enviaram os avisos estão o serviço local Zoom e o escritório venezuelano da Mail Boxes Etc., conhecida como MBE. / AFP e REUTERS