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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Os blefes de Trump e a crise entre Arábia Saudita e Irã

Credibilidade da ameaça tem poder dissuasivo sobre o adversário, evita a guerra e incentiva a negociação

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Atualização:

Há uma antiga lei do Velho Oeste: só saque a arma se estiver disposto a atirar. A Arábia Saudita, com a guerra do Iêmen, e os EUA, com a ruptura do acordo nuclear, sacaram a arma para o Irã. Na semana passada, provavelmente a Guarda Revolucionária, força de elite do Irã, disparou contra o coração da produção de petróleo saudita. 

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O presidente Donald Trump fugiu da convocação para a Guerra do Vietnã. A experiência parece estar lhe fazendo falta. Ele imagina que possa substituir tiros por palavras. Até mesmo para uma superpotência militar, palavras só têm credibilidade quando são respaldadas por ações.

No seu primeiro ano de mandato, Trump disparou mísseis contra uma base aérea no norte da Síria e a maior bomba convencional de seu arsenal contra alvos do Estado Islâmico, no leste do Afeganistão. Mas foi algo muito pontual, e 2017 já está distante.

Desde o ano passado, Trump tem dado sinais de seu desejo de firmar acordos com Coreia do Norte, Taleban e com o próprio Irã. Como escrevi na última coluna, a saída de John Bolton do Conselho de Segurança Nacional é parte dessa nova etapa “pacifista” de Trump, que precisa, na corrida para a reeleição de 2020, entregar promessas feitas na campanha de 2016.

A primeira reação de Trump aos ataques de sábado passado, de que os EUA estavam “carregados e engatilhados”, serviu apenas para minar ainda mais a credibilidade de seu governo, diante da evidente falta de apetite para materializar essa ameaça. Num lance típico de seu estilo, ele jogou a bola para o campo dos sauditas, dizendo que estava esperando a avaliação deles.

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O presidente dos EUA, Donald Trump e príncipe da Arábia Saudita Mohammad Bin Salman no G-20 Foto: Erin Schaff/The New York Times

Resultado: o jornal Al-Riyadh, pró-governo saudita, deu mais destaque em sua primeira página ao príncipe herdeiro Mohammed bin Salman assistindo a uma corrida de camelos do que ao impacto do ataque iraniano, já no segundo dia.

No resto do mundo, os jornais davam manchete ao assunto. O regime percebeu que não dava para contar com os EUA em sua defesa.

Que os sauditas também não podem contar consigo mesmos, sempre se soube. Duas evidências disso se somaram recentemente. A Força Aérea saudita bombardeia a milícia xiita houthi, patrocinada pelo Irã, no Iêmen, desde 2015.

Até hoje, não conseguiu ganhos significativos e colecionou ataques malsucedidos, com numerosas mortes de civis, que hoje somam 90 mil. Os Emirados Árabes é que têm combatido por terra, e passaram de aliados a concorrentes dos sauditas, patrocinando seus próprios grupos, diante da ineficácia da ação saudita.

O último ataque expôs a vulnerabilidade da defesa saudita. Isso respinga na imagem do armamento americano. Os sauditas adquiriram, a partir da invasão do Kuwait pelo Iraque, em 1990, o sistema americano de defesa Patriot, que se mostrou incapaz de conter um bombardeio simultâneo de mísseis em baixa altitude.

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Vladimir Putin tripudiou, dizendo que os sauditas iam querer comprar os armamentos russos, como fizeram os iranianos. O orçamento de defesa do Irã, de US$ 13 bilhões ao ano, é um sexto do saudita e um quinquagésimo do americano. 

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Ao romper o acordo nuclear e impor sanções, Trump reforçou a corrente nacionalista do Irã e enfraqueceu o presidente moderado, Hassan Rohani. De maio para cá, o Irã atacou seis navios-tanque de aliados dos EUA, derrubou um drone americano e entregou petróleo na Síria em um cargueiro liberado pela Justiça britânica depois de concluir que não havia provas de que ele se destinava à Síria. Para um leigo, pode parecer que a postura de negociador de Trump ajude a preservar a paz.

Mas é o contrário. A credibilidade da ameaça tem poder dissuasivo sobre o adversário, evita a guerra e incentiva a negociação. Blefes não funcionam.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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