Os heróis desconhecidos na cobertura da guerra

Assassinatos e sequestros obrigaram os veículos de comunicação a informar de outros países e a apoiar-se nos relatos de testemunhas diretas, em sua maioria simpatizantes da oposição

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Por Redação
Atualização:

BEIRUTE -"Você tem interesse em dados sobre uma 'manifestação' de Halloween das crianças de Homs?" Foi a primeira proposta do ativista sírio Mahmoud Luz em seu contato inicial com a agência EFE em 2014; cuja voz já se calou como a de muitos outros que morreram quando informavam sobre uma guerra que completa seu quinto ano.

Da mesma forma que centenas de ativistas locais que operam no país, Luz se transformou nos olhos e nos ouvidos em um conflito no qual os jornalistas no terreno, incluindo os estrangeiros, são alvo de sequestros e assassinatos.

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Essa situação obrigou os veículos de comunicação a informar de outros países e a apoiar-se nos relatos dessas testemunhas diretas, em sua maioria simpatizantes da oposição, que trabalham de forma independente ou organizados em algum grupo de jornalistas cidadãos.

Luz foi contatado em 31 de outubro de 2014 por recomendação de outro companheiro jornalista e apresentou a si mesmo como uma fonte no terreno no norte da província central de Homs, de onde meses antes tinham sido retirados os grupos armados presentes na capital homônima da região após um acordo com as autoridades.

Entre 2014 e 2015, as conversas com Luz foram frequentes através do Skype até que um dia ele deixou de responder. No dia 26 de outubro do ano passado, sites vinculados à oposição síria noticiaram sua morte em Teir Ma, no norte de Homs, pelos ferimentos sofridos pelos estilhaços de uma bomba quando cobria uma ofensiva lançada pelo regime.

Devido à dificuldade para comunicar-se por telefone, o contato com os ativistas costuma ser por meio do Skype, mas também são usados outros aplicativos como Whatsapp, Facebook, Twitter e Viber.

Um destes ativistas é Iyad Kurin, residente na província setentrional de Idlib, que agora opera por sua própria conta após abandonar a rede opositora Sham, uma das principais organizações de jornalistas cidadãos.

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Kurin declarou à EFE que "desde o início da revolução (15 de março de 2011) muitos sírios começaram a trabalhar como jornalistas para denunciar os abusos do regime nas áreas onde moravam".

Pouco depois, acrescentou, começaram a surgir grupos e emissoras que empregavam estes ativistas, embora ainda haja muitos que prefiram ser independentes.

Seu trabalho envolve um grande risco. De fato, segundo dados de Repórteres Sem Fronteiras (RSF), desde o início da guerra na Síria pelo menos 142 ativistas informadores perderam a vida frente aos 50 jornalistas de veículos de comunicação convencionais.

Embora na Síria não haja zonas 100% seguras, o território mais perigoso é o controlado pelo grupo terrorista Estado Islâmico (EI).

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Provavelmente os casos mais conhecidos de assassinatos de jornalistas por radicais sejam as decapitações em 2014 dos americanos James Foley e Steven Sotloff, mas os jihadistas também têm informadores locais em sua mira.

O grupo "Raqqa está sendo Massacrada em Silêncio" perdeu três de seus membros e um diretor de seus vídeos desde sua fundação há pouco mais de dois anos.

"Com 20 dias (desde a criação do grupo), o EI assassinou nosso ativista Moataz Bilah Ibrahim depois que o capturaram quando tentava deixar Raqqa", contou à EFE Abu Mohammed, um dos integrantes desta rede, em uma conversa pela internet.

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Atualmente, este grupo, que se dedica a denunciar os abusos cometidos pelos extremistas, está formado por 28 ativistas, dos quais 18 se encontram em Raqqa - bastião do EI no solo sírio - e dez fora do país.

Para não serem descobertos, utilizam programas informáticos encriptados e empregam a experiência que já tinham da época na qual só se opunham ao regime sírio.

Apesar das precauções, dois de seus ativistas foram mortos pelo EI dentro do território sírio e outros dois na Turquia. "A Turquia é perigosa porque ali o EI tem muitos seguidores, já que há bastantes brechas nas áreas fronteiriças", detalhou.

Mesmo assim, Mohammed, que opera com um nome falso, não hesita na hora de responder se este esforço vale a pena: "É nosso dever completar a revolução, além de mostrar o que ocorre em Raqqa e mostrar que a sociedade civil tem um papel, mesmo com a presença do EI". / EFE

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