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Pedidos de asilo são 600 mil na Alemanha

Centenas de milhares aguardam decisão sobre onde viver; outros 500 mil já foram negados

Por Adriana Carranca
Atualização:

MAGDEBURG, ALEMANHA - Amin Al-Hasan é de Deir es-Zor, cidade controlada pelo Estado Islâmico; seu primo, Hazin, é de Raqqa, a “capital” do califado. Mohamad Al-Mohamad vem de Alepo, onde os curdos, como ele, tentam barrar o avanço dos jihadistas. Fuad Alkeen fugiu com a família de Idlib, dividida entre as forças leais ao presidente Bashar Assad e opositores, assim como Homs, de onde vem Hadi Adbullah, e Damasco, a capital, onde Mohamad Maji vivia com a mulher e quatro filhos. Vindas de diferentes territórios em guerra, quinze famílias se encontram e reunificam o mapa da Síria em um abrigo da pequena Magdeburg, na Alemanha.

Fuad Alkeen, com o filho no colo, aguarda com dezenas de outros refugiados em Magdeburg por decisão da Justiça Foto: Adriana Carranca / Estadão

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Eles chegaram ao país no pico do maior êxodo à Europa em três décadas, em meados de 2015. A maioria ainda aguarda definição sobre o pedido de asilo. Mais de um milhão de pessoas, ou a metade dos que buscaram refúgio na União Europeia, Noruega e Suíça (que não fazem parte do bloco) desde janeiro do ano passado, estão nessa situação, segundo o Pew Research Center. 

Na Alemanha, ao menos 500 mil tiveram o pedido negado no mesmo período – eles podem recorrer – e 35 mil foram deportados. Outros 600 mil ainda esperam resposta. 

O limbo legal se soma ao stress psicológico dos que já passaram pelos traumas da guerra em casa e os perigos da travessia até o refúgio. Alkeen, de 30 anos, que fugiu de bombardeios em sua cidade com a mulher grávida e dois filhos, hoje com 7 e 8 anos, está há cerca de um ano na Alemanha, mas só há alguns dias a família foi chamada para a segunda entrevista sobre o pedido de asilo, que ainda deve demorar meses. As crianças começaram as aulas, porque a lei alemã e a Convenção dos Direitos da Infância garantem o direito de ir à escola, independentemente do status legal. Mas o casal não pode cursar alemão formalmente, algo só permitido aos que têm visto. “É muito papel e não entendemos o que está escrito neles”, diz.

Com a vida suspensa, eles passam os dias remoendo memórias, atormentados com as notícias que chegam de casa e a situação dos que ficaram para trás.

Mohamad Maji, de 44 anos, foi o primeiro a chegar ao abrigo. Há mais de um ano ele não vê a mulher e os quatro filhos, que deixou na Jordânia. Ele planejava conseguir asilo na Alemanha e trabalho para poder trazê-las. Até agora, isso não foi possível. “Quero voltar para junto da minha família, mas o dinheiro acabou. E eu não posso trabalhar, porque não tenho os documentos. É como estar em uma prisão. Os portões estão abertos, mas eu não posso sair.”

Ameaça. O abrigo fica no leste da Alemanha, no Estado de Alta Saxônia, onde o partido nacionalista de extrema direita AfD (Alternativa para a Alemanha) conseguiu seu maior avanço nas eleições para assembleias regionais, em março, com uma campanha contra a política da chanceler Angela Merkel para refugiados. Embora muitos tenham se engajado para integrar os que chegam, cartazes anti-imigração expõem o sentimento de parte da sociedade. 

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Uma série de atos de violência contra refugiados e abrigos foi registrada na região, entre eles o espancamento de três sírios nas ruas de Magdeburg por um bando armado com tacos de beisebol. Em fevereiro, três dias depois de um incêndio criminoso destruir um hotel que estava sendo convertido em abrigo na região, cerca de 100 manifestantes cercaram um ônibus que levava refugiados, gritando coisas como “voltem para casa”. 

Em todo o país, foram registrados mais de 1,6 mil ataques contra abrigos para refugiados, desde janeiro do ano passado. 

Também há casos de conflitos dentro dos abrigos, entre refugiados de diferentes etnias, religiões ou posições políticas. “Para mim, todos deveriam viver juntos e em paz. É o que estamos tentando fazer nesse abrigo”, diz Al-Mohamad, que lutou com a milícia curda YPG (Unidades de Proteção do Povo) na Síria. Os curdos aproveitaram os conflitos para fortalecer sua reivindicação de um Estado próprio, o que fez aumentar a tensão entre grupos. 

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“Mas não são curdos e árabes que lutam na Síria, não são sírios. São EUA, Rússia, Irã, Assad. A guerra não tem nada a ver conosco”, diz Mohamad, mostrando no corpo marcas de uma explosão que matou três pessoas a seu lado. Foi quando decidiu deixar a Síria. 

Ele é vizinho de porta dos primos Amin e Hazin, de Deir es-Zor e Raqqa, onde curdos lutam contra o EI. Estudante de geologia e professor da quinta série do ensino fundamental, Amin decidiu deixar o país quando extremistas disseram que escolhesse: ou lutar contra os curdos ou doutrinar seus alunos para a ideologia do EI. “Eu escolhi me refugiar. Aqui, somos todos sírios.”

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