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Península nuclearizada

Teste de bomba norte-coreana faz com que Coreia do Sul também queira ter ogiva nuclear

Por THE ECONOMIST
Atualização:

O ritmo acelerado com que a Coreia do Norte desenvolve seu programa nuclear tem superado todas previsões e suscita preocupação entre os líderes mundiais. Também atrapalha os planos de aposentadoria de uma avó norte-coreana. Em 2012, a veterana apresentadora da TV estatal do país, Ri Chun-hee, recebeu de seus chefes a promessa de que poderia descansar, depois de passar 41 anos transmitindo alegremente notícias de conteúdo propagandístico.

A ideia era que a senhora de 74 anos retornasse apenas para fazer anúncios mais importantes. Mas, atualmente, os anúncios são quase semanais. A Coreia do Norte já testou 22 mísseis este ano. No dia 3, Ri estava de volta, afirmando que o regime havia testado uma bomba de hidrogênio. 

Presidentes de Coreia do Sul, Moon Jae-in (C), e EUA, Donald Trump (D), conversaram por telefone na segunda-feira sobre a crise com Pyongyang Foto: AP Photo/Ahn Young-joon

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É possível que Ri não seja a única relíquia da Guerra Fria a voltar à ativa em virtude do teste. Alguns sul-coreanos querem que os Estados Unidos deem mostras de seu apoio reinstalando armas nucleares na Coreia do Sul. Após a Guerra da Coreia, os americanos chegaram a ter 950 ogivas nucleares em território sul-coreano, mas as tiraram de lá em 1991.

Pouco tempo depois, as duas Coreias firmaram um tratado para manter a península desnuclearizada. Mas o Norte desrespeitou o acordo e testou sua primeira bomba há 11 anos. Em agosto, o Partido Coreia Liberdade, maior agremiação oposicionista do Sul, pediu que as ogivas fossem trazidas de volta. O líder do partido, Hong Joon-pyo, reiterou o pedido dois dias após o último teste.

Os sul-coreanos estão cada vez menos convencidos de que podem confiar sua segurança aos EUA. Levantamento conduzido pelo Pew Research em junho mostra que 78% dos entrevistados não acreditam que Donald Trump “fará a coisa certa” no fronte internacional. A resposta que o presidente americano deu ao teste do começo do mês não contribuiu para aplacar esse temor.

O secretário de Defesa americano, Jim Mattis, fez uma advertência ao líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, alertando que quaisquer ameaças aos EUA ou a seus aliados receberiam uma “dura resposta militar”. Mas Trump, que havia considerado romper o acordo de livre-comércio que os EUA têm com a Coreia do Sul, preferiu criticar o presidente do país aliado, Moon Jae-in, que defende uma solução negociada com o Norte. 

Hong argumenta que a realocação das armas nucleares mostraria de forma inequívoca que os EUA estão dispostos a defender o Sul. Alguns jornais conservadores concordam com o líder oposicionista. Um deles, o Joongang Ilbo, de grande circulação, afirmou que a medida “aumentaria nossa confiança nos EUA”.

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Pesquisa realizada em agosto indica que só 27% dos sul-coreanos apoiam a ideia de manter o país desnuclearizado. Em 4 de setembro, o ministro da Defesa, Song Young-moo, disse que a solicitação de armas nucleares aos EUA é “uma das alternativas” que serão avaliadas. 

Outra opção para a Coreia do Sul é desenvolver as próprias armas nucleares. O país tentou isso por duas vezes nos anos 70, mas foi pressionado pelos EUA a abandonar o projeto. O mais provável é que a Coreia do Sul continue desnuclearizada. Se fabricasse suas bombas, o país comprometeria sua aliança com os EUA e correria o risco de sofrer sanções por violar o Tratado de Não Proliferação Nuclear, de 1968. Moon e seu partido ainda resistem à ideia de pedir que os EUA instalem ogivas em território sul-coreano. Mesmo que mudem de ideia, os generais americanos dificilmente aprovarão a medida.

Os EUA têm várias opções para atingir o Norte com armas nucleares: os lançamentos podem ser feitos a partir de submarinos, da base militar de Guam ou mesmo de bases instaladas no continente americano. Posicionar ogivas no Sul causaria tensões com China e Rússia num momento em que os EUA precisam de sua ajuda para pressionar o Norte a abandonar seu programa nuclear.

“De uma perspectiva americana, a ideia de instalar armas nucleares no Sul é desnecessária e perigosa”, diz David Straub, antigo diplomata dos EUA que atualmente é membro do Sejong Institute.

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O mais provável é que Moon opte por reforçar as defesas convencionais da Coreia do Sul. O presidente sul-coreano já abandonou sua oposição anterior ao sistema antimísseis Thaad, dos EUA. Outros quatro lançadores foram instalados pouco depois do último teste norte-coreano. Moon também convenceu Trump a permitir que o Exército sul-coreano utilize mísseis (não nucleares) de maior alcance e potência, capazes, por exemplo, de destruir “bunkers”.

Moon espera convencer seus compatriotas de que ainda não têm motivo para perder o sono. A tarefa não deve ser difícil. No meio da semana passada, um jogo das eliminatórias da Copa do Mundo fez com que a Coreia do Norte deixasse de figurar entre as três buscas mais frequentes do Naver, versão da Coreia do Sul para o Google. Na Praça Gwanghwamun, centro de Seoul, os pedestres não pareciam preocupados com a iminência do apocalipse. Questionado sobre como está o clima na cidade, um homem de meia-idade respondeu: “O ar anda menos poluído ultimamente”. / TRADUÇÃO DE ALEXANDRE HUBNER © 2017 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

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