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Perfil: Martin McGuinness, a viagem de um insurgente para a política convencional

Ex-número dois do Exército Republicano Irlandês (IRA) deixou as armas para entrar na política e foi um dos principais articuladores do acordo de paz da Sexta-Feira Santa, em 1998

Atualização:

BELFAST - De ex-comandante do Exército Republicano Irlandês (IRA) a vice-ministro norte-irlandês, o republicano Martin McGuinness, que morreu nesta terça-feira, 21, tinha anunciado recentemente que estava abandonando a política por motivos de saúde e encarnava melhor que ninguém a longa viagem do nacionalismo radical irlandês rumo à paz.

Durante essa viagem, passou da liderança de uma organização terrorista empenhada em acabar, através da violência, com a presença do Reino Unido na Irlanda do Norte, para apertar a mão da rainha Elizabeth II, em Belfast, em 2012 e jantar com ela no Castelo de Windsor, dois anos depois.

O ex-comandante do IRA Martin McGuinness anunciou em janeiro que deixaria a vida política por questões de saúde Foto: REUTERS/Clodagh Kilcoyne

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"Estou muito, muito orgulhoso disso", disse McGuinness, em 1973, ao ser condenado por filiação ao já inativo IRA, o que confirmou, 28 anos depois, quando confessou que era o "número dois" do grupo, no dia 30 de janeiro de 1972, no denominado "Domingo Sangrento", em Derry, na Irlanda do Norte.

Com a voz embargada pela emoção, veio a dizer o mesmo em 2007, durante uma conferência especial do Sinn Féin, braço político do IRA, embora nessa ocasião puxou seus credenciais republicanas para pedir a seus correligionários que aceitassem, pela primeira vez em sua história, a autoridade da polícia e a justiça norte-irlandesa.

Era o fim da linha para uma organização que causou quase 2 mil mortes mais de três décadas de conflito armado na ilha da Irlanda e Reino Unido.

Meses depois, o Sinn Féin voltava a entrar no governo norte-irlandês, de poder compartilhado entre católicos e protestantes, embora, nesta ocasião, ao lado do majoritário Partido Democrático Unionista (DUP) do já falecido reverendo Ian Paisley.

Quando em 2009 o IRA de Continuidade, uma facção dissidente do IRA, assassinou um policial norte-irlandês e McGuinness chegou a qualificar aos atiradores, republicanos como ele, de "traidores", uma declaração que surpreendeu as comunidades católica e protestante.

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Casado e pai de quatro filhos, Martin McGuinness nasceu em 1952 no Bogside, o bairro católico de Derry, e ingressou no IRA em 1969, condição que não lhe impediu iniciar, em 1972, nas negociações secretas com o governo britânico para conseguir um cessar-fogo definitivo do grupo armado, que chegaria em 1997.

Em momento histórico, Martin McGuinness cumprimenta a rainha Elizabeth II, em Belfast, em 2012 Foto: REUTERS/Paul Faith/pool

Ao contrário do presidente do Sinn Féin, Gerry Adams, McGuinness não provém de uma família republicana, mas se uniu ao movimento motivado pela brutal resposta que receberam os grupos pró-direitos civis nas mãos de forças de segurança no final da década de 60.

Com sua habilidade política e carisma entre os voluntários do IRA, rapidamente se tornou em um dos maiores expoentes da dupla estratégia da "urna e espingarda": a mistura de política e violência como única via para a reunificação da ilha.

Seus biógrafos contam que, quando já era uma figura política destacada, alojou em uma ocasião a uma unidade do IRA em fuga na fronteira do Condado de Donegal, depois de Adams ter se recusado a fazer.

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No entanto, sua reputação como estrategista político e militar choca com decisões controversas que tomou em momentos importantes para o secreto processo de paz, antes da assinatura do acordo da Sexta-Feira Santa, em 1998, quando o IRA ainda exercia considerável influência sobre o Sinn Féin e não vice-versa.

Aos olhos de vários observadores, suas iniciativas levaram à organização paramilitar a um beco onde a única saída foi a via democrática e pacífica.

Em 1997 foi eleito deputado na Câmara dos Comuns, posto para o qual seria reeleito em 2001, 2004 e 2010, enquanto em 1998, alcançou uma cadeira na Assembleia norte-irlandesa, que manteve até as eleições autônomas do maio.

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Após a breve restauração da autonomia norte-irlandesa, entre 1999 e 2002, McGuinness atuou como ministro da Educação no governo de poder compartilhado entre católicos e protestantes. E em 2007 foi a vez dele reger os destinos da província ao lado de seu eterno inimigo, Ian Paisley, com quem chegou a manter uma boa relação profissional e pessoal, onde ganharam o apelido de "Irmãos Risadinhas".

Com o sucessor do reverendo no governo e no DUP, Peter Robinson, não existiu o mesmo "feeling" e as tensões entre seus respectivos partidos desde 2011 marcaram sua convivência no Executivo, até provocar a renúncia de McGuinness, no dia 9 de janeiro.

O "número dois" do Sinn Féin deixou o cargo de vice-ministro em protesto pela gestão de um escândalo financeiro detectado na política de energias alternativas do governo norte-irlandês, liderado pela atual líder do DUP, Arlene Foster.

O partido republicano Sinn Féin divulgou comunicado no qual diz que "com profundo pesar e tristeza" informava da morte "de nosso amigo e companheiro Martin McGuinness, que faleceu nesta madrugada em Derry". / EFE e AFP