Política ainda afeta direitos civis nos EUA

Estados governados por republicanos aprovaram leis que dificultam o voto de eleitores pobres e negros, que apoiam os democratas

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Por RENATA TRANCHES
Atualização:

Há apenas meio século livres de um contexto de segregação racial, os EUA enfrentam formas sutis de preconceito que se manifestam, especialmente, no exercício do voto. Cinquenta anos depois da Lei dos Direitos Civis, o país avançou e hoje é governado por seu primeiro presidente negro, mas na opinião de analistas ouvidos pelo Estado

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a radicalização do discurso e a polarização política tornam ainda árdua a luta por uma sociedade igualitária.

Quando assinou a lei, em 2 de julho de 1964, o então presidente Lyndon Johnson virava a página de uma história marcada pelos vestígios da escravidão institucionalizados pelo conjunto de leis, regras e costumes Jim Crow. Eram legalizados assentos separados para negros e brancos no transporte e espaços públicos, só para citar alguns exemplos.

"O país ainda enfrenta desafios, pois a natureza do racismo e da discriminação tem mudado em resposta a esses avanços e se tornado mais sofisticados e impenetráveis a estatutos como a Lei dos Direitos Civis e a Lei do Direito ao Voto", afirmou a especialista e professora de direito do voto da Universidade Estadual da Flórida, Franita Tolson.

A professora se referia à lei que garantiu a participação política dos negros e foi aprovada no ano seguinte à lei do direito civil - dois marcos na história dos EUA. "O desafio n.º 1 hoje é a tentativa constante de racistas e ideólogos de extrema direita de repelir os maiores benefícios que todos os cidadãos americanos conquistaram com esses dois atos fundamentais para os direitos civis", apontou o diretor executivo do Centro de História Americana da Universidade do Texas, em Austin, Don Carleton.

Um relatório do centro de estudos Center for American Progress (de Washington) divulgado mês passado mostra que nos 13 Estados onde o regime de segregação foi mais marcante, conhecidos como Black Belts, no sul do país, uma combinação de fatores tem colocado em xeque as políticas que favorecem negros e imigrantes - numerosos na região.

Como exemplo, em nove desses Estados os governos republicanos - movidos por discursos de extrema direita - aprovaram leis que exigem que o eleitor apresente uma identificação com foto na hora de votar e outras que extinguem ou dificultam o voto antecipado e o registro de voto. Medidas amplamente vistas nos EUA com o objetivo de "suprimir os eleitores de cor e de baixa renda, em geral", afirma o documento.

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O relatório argumenta que o comportamento desses governos tem sido a grande barreira para a concretização do sonho deixado pelo Verão da Liberdade - campanha lançada no Mississippi em 1964 para registrar o máximo de eleitores afro-americanos no Estado.

O assassinato de três ativistas que trabalhavam nessa campanha - episódio contado no filme Mississippi em Chamas - e a violência que a acompanhou, chamou a atenção nacional para a perseguição aos negros no sul dos EUA.

"O Verão da Liberdade de 1964 no Mississippi foi um momento-chave para a democracia nos EUA", destacou o relatório, assinado por Ben Jealous, ativista dos direitos civis e ex-presidente da Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor (NAACP, na sigla em inglês). De acordo com o estudo, a polarização política nessa região, combinado com o fato de a população branca ser a maioria dificultam para eleitores negros e latinos elegerem políticos que representem seus interesses.

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A polarização política, porém, não é um fator determinante apenas no sul dos EUA. Franita analisa que nos últimos anos a polarização dos dois partidos políticos cresceu muito. "Os afro-americanos, em particular, apoiam esmagadoramente o Partido Democrata, que se beneficia com a elevada participação desta camada demográfica nas urnas", explica a especialista. Como consequência, têm surgido cada vez mais medidas adotadas por republicanos conservadores que restringem o voto dessa população, alienando esse eleitorado.

Carleton, por sua vez, destaca que a eleição do primeiro presidente negro nos EUA foi o evento mais significativo na história recente do país. "O simples fato de um negro ter sido eleito para o mais alto posto do país foi um incrível símbolo de progresso, não apenas para os cidadãos negros, mas para todos os americanos que acreditam nos direitos iguais e em uma sociedade mais justa", afirma Carleton, argumentando, em contrapartida, que isso também despertou um ódio violento e sem sentido nos EUA. "Isso é uma lembrança de que estamos uma, talvez duas gerações distantes de uma população que realmente valorize uma sociedade diversificada etnicamente", acrescentou.

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