Populista mexicano usa ‘efeito Trump’

Esquerdista López Obrador se aproveita da impopularidade do presidente Enrique Peña Nieto e surge como alternativa de poder no México

PUBLICIDADE

Por Joshua Partlow
Atualização:

Abel Flores, trabalhador diarista de 45 anos, saiu do México há três décadas e não vota regularmente nas eleições mexicanas. No entanto, juntou-se a centenas de mexicanos-americanos em recente comício numa praça arborizada de Los Angeles para aplaudir um político populista que promete levar o México por um novo caminho. 

Andrés Manuel Lopez Obrador, líder do Morena, encontra partidários em Los Angeles Foto: REUTERS/Ringo Chiu

PUBLICIDADE

“Não costumo participar dessas coisas”, disse Flores, referindo-se ao comício de Andrés Manuel López Obrador, mais conhecido por AMLO. Sentiu, porém, que o México estava ameaçado pelo presidente Trump, que prometeu construir um muro e renegociar o acordo de livre-comércio com os EUA. “AMLO é o único que pode fazer alguma coisa para proteger o México”, concluiu.

A indignação com as propostas de Trump deu força ao veterano político que tem infernizado a comunidade empresarial do país com sua visão nacionalista e retórica esquerdista. Opositores comparam López Obrador ao finado Hugo Chávez, homem forte que pôs a Venezuela no rumo do socialismo. 

Pode ser exagero, mas López Obrador, de 63 anos, consegue levar milhares de pessoas às ruas. Seus críticos temem que essa inclinação à resistência obstinada possa levar a um confronto com os EUA, enquanto seus admiradores o veem como um paladino do mexicano comum. 

Embora ainda não tenha se candidatado para as eleições presidenciais do próximo ano, López Obrador desponta como favorito. Pesquisa recente do jornal El Financiero lhe dá 33% das intenções de voto, 6 pontos à frente de Margarita Zavala, do Partido de Ação Nacional (PAN), conservador. López Obrador já está em campanha, percorrendo o México e entrando nos EUA para angariar apoio de mexicanos-americanos. 

Falando à multidão em uma praça de Los Angeles, Obrador subiu drasticamente de tom ao comparar os EUA de Trump à Alemanha de Hitler. No fim, pediu calma aos seguidores. “Temos de combater as estratégias de Trump não com gritos e insultos, mas com inteligência, visão e dignidade”, pregou. “Esta é uma batalha a ser travada no campo das ideias.”

Trump será um dos principais temas de campanha para a eleição mexicana. López Obrador tem criticado as políticas do presidente americano, mas se mostra moderado e se apresenta como estadista amadurecido. No embate com Trump sobre quem vai pagar o muro, ele evitou atacar o presidente de seu país, Enrique Peña Nieto.

Publicidade

López Obrador, há décadas um marco da esquerda mexicana, é do Estado de Tabasco, na costa do Golfo, onde disputou sem sucesso o governo. Ganhou destaque como prefeito da Cidade do México, de 2000 a 2005, ao dispensar mordomias e dirigir seu Nissan Sentra. Ajudou pobres e idosos, sem desequilibrar o orçamento, construiu viadutos para desafogar o trânsito e ampliou a cobrança de impostos. Deixou o cargo com aprovação acima de 80%. 

Mas, em 2006, após perder por pouco a eleição presidencial, López Obrador provocou uma crise política ao se recusar a aceitar a vitória de Felipe Calderón, um conservador, declarando-se “presidente legítimo”. Mostrou então sua maestria em mobilizar as massas, mantendo uma das principais avenidas da capital mexicana bloqueada por seis semanas. 

Depois de nova derrota numa eleição presidencial, em 2012, López Obrador deixou o principal partido de esquerda do México, o Partido da Revolução Democrática (PRD), para formar o Movimento de Regeneração Nacional (Morena). Ele voltou a contestar o resultado.

Peña Nieto e seu Partido Revolucionário Institucional (PRI), tradicionalmente dominante, tornou-se muito impopular em razão da crise econômica, de escândalos de corrupção ed a sensação de que não enfrentou Trump. “López Obrador está bem posicionado para criar uma via alternativa. Foi muito beneficiado pelas trapalhadas da equipe de Peña Nieto”, disse Alberto Aziz Nassif, analista político da Cidade do México. 

PUBLICIDADE

Obrador costuma perder o favoritismo à medida que as eleições se aproximam. Seus críticos dizem que ele é arrogante e ávido pelo poder. Grande parte da elite política e empresarial o considera ameaçador. Ele discorda do engajamento mexicano no livre-comércio e se opõe às investidas de Peña Nieto para abrir a crucial indústria petrolífera ao investimento estrangeiro. 

“É autoritário, intolerante e tem uma visão de mundo na qual quem o segue é bom e quem não segue é mau”, disse Francisco Gil Villegas, analista político da capital. “Não é muito democrático e está sempre pronto a ignorar a Constituição.”

Em campanha. López Obrador se vê como independente. Em discurso recente, num centro cultural de Tijuana, na fronteira com San Diego, ele advertiu que o sistema eleitoral está viciado e previu fraude na votação do próximo ano. 

Publicidade

Seu novo livro, 2018 The Exit: Decline and Rebirth in Mexico, abre com a frase “A corrupção é o principal problema do México”, tema que enfatiza desde sua primeira candidatura à presidência, há uma década. 

No discurso de Tijuana, López Obrador estimou que centenas de milhões de dólares dos fundos do governo são desviados a cada ano pela corrupção e prometeu recuperar esse dinheiro para aplicá-lo em bolsas de estudo. Ele prometeu também vender aviões e helicópteros da presidência e viajar modestamente. Promessas desse tipo sensibilizam os mexicanos, fartos de corrupção. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.