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Por segurança, Bélgica suspende ato de homenagem às vítimas do terror

Governo pediu que pessoas não fossem hoje às ruas em manifestação de repúdio aos ataques de terça-feira; justificativa é de que os policiais que seriam necessários para vigiar a passeata teriam outras prioridades, como a caçada aos extremistas ainda forag

Por Andrei Netto e BRUXELAS
Atualização:

BRUXELAS - Os atentados que deixaram 31 mortos e 316 feridos em Bruxelas na terça-feira, escancararam ao mundo uma realidade que durante 30 anos foi minimizada: a de que a radicalização islâmica e o terrorismo fincaram raízes na capital da Europa. Na cidade em que líderes políticos de 28 países da União Europeia se reúnem pelo menos seis vezes por ano, células jihadistas proliferam no tecido social. 

O temor inspirado pelos últimos atos levou o governo da Bélgica a pedir, neste sábado, 26, que uma marcha de homenagem às vítimas e contra o terrorismo fosse cancelada “por questões de segurança”. O argumento foi o de que os policiais que trabalhariam para proteger o ato seriam essenciais para outras operações, como a caçada a um dos extremistas foragidos. 

Moradores de Bruxelas homenageiam vítimas dos atentados na Praça da Bolsa Foto: AP/Martin Meissner

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Os europeus tomaram consciência de que Bruxelas e sua periferia haviam se transformado em uma base de retaguarda de grupos extremistas islâmicos ao longo dos últimos três anos. Nesse período, o número de atentados cometidos por belgas ou franceses de origem árabe-muçulmana se multiplicou a ponto de fazer com que o país seja incontornável nas investigações sobre redes jihadistas. 

Mas a centralidade de Bruxelas no terrorismo jihadista é, na realidade, antiga. Desde os anos 1960, a capital belga foi uma das cidades ocidentais escolhidas pela Arábia Saudita para investir no desenvolvimento do salafismo na Europa. O trabalho de proselitismo e os investimentos na construção de mesquitas, centros islâmicos e na formação de imãs surtiu efeitos. 

Os casos de violência se tornaram mais visíveis a partir de 1969, quando dois funcionários de uma companhia aérea de Israel foram feridos pela explosão de uma granada. A partir de então, atentados contra judeus se multiplicaram: 1972, 1980, 1981, 1982, 1989. Em um deles, em 1979, o aeroporto de Zaventem, mais uma vez atingido na terça-feira, foi palco da explosão de uma granada lançada por um grupo de três palestinos contra passageiros de um voo oriundo de Israel. Doze pessoas ficaram feridas.

O movimento prosseguiu nos anos 1990, com a complacência das autoridades locais e continentais. Enquanto Paris tornou-se alvo do Grupo Islâmico Armado (GIA), Bruxelas, que ganhava o posto de capital da Europa, serviu como retaguarda a mais de uma centena de islamistas radicais. A implantação das células jihadistas prosseguiu nos anos 2000, quando uma nova geração de pregadores do jihadismo ganhou força em torno do Centro Islâmico Belga (CIB), mesquita salafista comandada pelo xeque franco-sírio Bassam Ayachi. Em 2010, a radicalização se acelerou com a organização Sharia4Belgium, um núcleo de recrutamento para combate na Síria.

Desde então, a descoberta de nomes ligados à rede terrorista belgo-francesa não para de crescer. Esses grupos atraíram jovens em situação de desajuste familiar, abandono da escola, criminalidade, conflito com a Justiça e radicalização. Em comum, todas as células têm nomes com passagens pelo distrito bruxelense de Molenbeek-Saint-Jean. “Se você fala radicalização, pensa em Molenbeek”, afirmou o empresário Karim Bazah, 36 anos, que tem um restaurante no centro do distrito. 

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‘Ilustres’. Essa fama se deve a nomes como o de Abdelhamid Abaaoud, mentor dos atentados de 13 de novembro, em Paris, ou Salah Abdeslam e Najim Laachraoui, elos com os ataques de Bruxelas. Levantamentos parciais feitos pelas autoridades da Bélgica e da França indicam três grandes células jihadistas conectadas entre si, com 48 nomes já conhecidos e relevantes, dos quais 18 com implicações diretas nos atentados de Paris e Bruxelas. 

Para o cientista social Johan Leman, professor emérito na Universidade de Leuven e estudioso de Molenbeek há 35 anos, há um “crescente pobre” formado também pelas cidades de Forest e Schaerbeek, onde vivem entre 200 e 250 mil pessoas. Essa região, afirmou, é um ninho terrorista na capital da Europa.

 

“Os contatos do Estado Islâmico na Europa são organizados como estruturas mafiosas. Após a prisão de Salah Abdeslam, seria natural que o Estado Islâmico, enfraquecido e ameaçado, reagisse”, avaliou. “Em Molenbeek, todo mundo sabia que a prisão de Abdeslam não acabaria com o problema..”

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