Prisão de Humala eleva pressão sobre líderes latinos ligados à Odebrecht

Independência da Justiça na investigação de ex-presidentes e autoridades relacionados ao esquema de pagamento de propinas é um teste para a estabilidade democrática, avaliam especialistas; analista argentino alerta para risco de novos Berlusconis

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Por Luiz Raatz
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A prisão do ex-presidente peruano Ollanta Humala e de sua mulher, Nadine Heredia, na noite de quinta-feira, ampliou a pressão sobre líderes latino-americanos envolvidos com casos de corrupção ligados à Odebrecht. Investigações em curso atingem as cúpulas dos governos de Colômbia, Peru, Equador e Venezuela, e analistas alertam para riscos institucionais, políticos e econômicos no médio e no longo prazo. 

Ex-presidente peruano Ollanta Humala se entrega às autoridadesapós um juiz determinar que ele e a mulher fiquem presos por até 18 meses Foto: REUTERS/El Comercio

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Humala foi o primeiro ex-presidente da região a ir para a cadeia em razão do acordo de delação premiada fechado por Marcelo Odebrecht no âmbito da Operação Lava Jato. Outro ex-presidente peruano, Alejandro Toledo, também tem contra si um mandado de prisão, mas está foragido. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado na primeira instância a 9 anos e 6 meses de prisão, em um caso ligado à construtora OAS, e responde ao processo em liberdade. 

Analistas de seis países do continente concordam em retratar os casos de corrupção envolvendo a empresa como parte de um fenômeno sistêmico que, se não for adequadamente tratado pela Justiça, ameaça as próprias instituições democráticas da região. “Se as instituições não evoluírem, como mostra o caso italiano, esse escândalo pode debilitar e muito o sistema político”, disse ao Estado o consultor político argentino Sergio Berensztein. “Esquemas de corrupção acabaram financiando o presidencialismo de coalizão no continente. Se as instituições não melhorarem, corremos o risco de ter novos Berlusconis.”

A cientista política Adriana Urrutia, da PUC do Peru, ressalta que essa melhora é necessária principalmente dentro do próprio Judiciário. “O Estado latino-americano foi sequestrado por uma rede privada corrupta”, afirmou. “O caso Odebrecht poderia ser um divisor de águas no continente. Havia uma oportunidade de falar de Justiça seriamente, mas o caso peruano mostra que a aplicação dela não tem sido equânime.”

Cientista político colombiano e professor da Universidade de la Sabana, Juan David Cárdenas Ruiz explica que os casos impactam o futuro eleitoral desses países. “Os temas corrupção e transparência tornam-se eixos principais das próximas campanhas.” 

Cárdenas ressalta que, para a corrupção ser tratada de forma séria pelos partidos, é preciso haver punição adequada a todos os envolvidos. “Na Colômbia, historicamente, poucos casos de corrupção tiveram consequências políticas, por exemplo.”

Na Colômbia, a Odebrecht declarou ter pago US$11 milhões em propina, com US$ 1 milhão para a campanha do presidente Juan Manuel Santos, e US$ 1,6 milhão para a de seu rival, o uribista Óscar Iván Zuluaga.

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“É um câncer que se espalhou pelo continente e ameaça o sistema político”, conclui o venezuelano Luis Vicente León, do Datanálisis. Na Venezuela, a procuradora-geral, Luisa Ortega Díaz, que rompeu com o presidente Nicolás Maduro, indiciou a mulher e a sogra do ex-ministro chavista Haiman El Trudi. O chavismo, no entanto, usa seu controle sobre o Judiciário para barrar as investigações do Ministério Público. 

Economia. A economista equatoriana Natalia Sierra vê questões estruturais no avanço da corrupção. “Graças à poupança criada com a venda de commodities, o Estado era o grande cliente dessas construtoras, que foram ficando cada vez maiores. Em muitos países, o Executivo concentrou poder e tornou mais fácil para a corrupção se alastrar”, avalia. “A proximidade ideológica entre o Brasil e países como o Equador facilitou essa relação.” 

No Equador, as suspeitas recaem sobre o vice-presidente Jorge Glas. O tio dele é investigado pelo Ministério Público, sob suspeita de ser um laranja. No total, a Odebrecht pagou US$ 33 milhões em propinias para contratos no país. Há poucos meses no cargo, o presidente Lenín Moreno adotou a luta contra corrupção como bandeira e afastou-se de seu padrinho político, o ex-presidente Rafael Correa.

Para o cientista político chileno Patricio Navia, empresas brasileiras devem ser amplamente afetadas em futuras disputas na região em razão da má reputação provocada pelos escândalos. “Vai haver um efeito comercial, especialmente nos projetos de grandes investimentos, no qual essas empresas podem ter dificuldade”, avalia. / COM MURILLO FERRARI E FERNANDA SIMAS

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