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Racismo na era Obama

Para os supremacistas brancos, a era de privilégios usufruídos exclusivamente pela cor de sua pele havia terminado. Eles não enxergaram a eleição de um negro à presidência como um avanço social, mas como uma ameaça perturbadora

Por Adriana Carranca
Atualização:

A eleição do presidente Barack Obama, em 2008, indicava o início de uma era pós-racial nos EUA. O país da Ku Klux Klan parecia, afinal, ter superado seu passado vergonhoso de escravidão, segregação e racismo. Embora a desigualdade social e econômica entre brancos e negros ainda fosse abismal, um afro-americano ascendia à Casa Branca sob o slogan “sim, nós podemos”. Dois mandatos depois, as imagens dos protestos por justiça pela morte de um homem negro por policiais em Charlotte, Carolina do Norte, nos apresentam outra realidade.

Como o mesmo país que elegeu e reelegeu o primeiro presidente negro de sua História eclodiu, durante sua gestão, em confrontos que expõem fissuras raciais ainda tão profundas? Os protestos em Charlotte foram deflagrados pela morte de Keith Scott, de 43 anos, quando abordado por policiais na frente de sua casa. Em um vídeo de dois minutos gravado com o celular pela mulher de Scott e entregue ao New York Times pelo advogado da família, ela faz um apelo para que o policial não atire.

Presidente dos EUA, Barack Obama, discursa na Assembleia-Geral da ONU Foto: Drew Angerer/Getty Images/AFP

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O disparo contra Scott teria sido feito por um policial também negro, um argumento usado pelos que defendem que a violência policial nos EUA não tem relação com o racismo. Mas isso não muda as estatísticas que apontam os afro-americanos como 24% dos 706 mortos por tiros disparados pela polícia este ano, segundo o banco de dados do Washington Post, embora eles representem 13% da população. 

Também esta semana, o vídeo de uma policial flagrada ao atirar contra um homem negro, identificado como Terence Crutcher, de 40 anos, desarmado e posicionado ao lado de seu carro com as mãos para cima em Tulsa, Oklahoma, provocou revoltas. Além de Charlotte e Tulsa, ataques contra policiais em Dallas e Baton Rouge são os mais recentes episódios de uma série de confrontos que convulsionam o país desde a morte de Michael Brown, de 18 anos, por Darren Wilson, um policial branco que atirou ao menos seis vezes contra o jovem, que estava desarmado.

Em uma enquete feita pelo New York Times e pela CBS News após os ataques a policiais em Dallas, em julho, pelo menos 69% dos americanos apontaram que as relações raciais nos EUA estão ruins – o nível mais alto de pessimismo desde 1992, quando uma série de protestos irrompeu em Los Angeles após um júri absolver quatro policiais brancos que, um ano antes, haviam espancado o motorista negro Rodney King durante uma blitz. Antes disso, apenas o movimento por direitos civis, especialmente entre 1950 e 1960, tem paralelo com as manifestações e confrontos dos últimos dois anos.

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Paradoxalmente, a explicação para isso pode estar na eleição de Obama. Durante a primeira gestão do presidente, ainda segundo o Times, surgiram mais de 1200 grupos anti-governo formados por brancos de extrema direita. 

Para os supremacistas brancos, a era de privilégios usufruídos exclusivamente pela cor de sua pele havia terminado. Eles não enxergaram a eleição de um negro à presidência como um avanço social, mas como uma ameaça perturbadora. A ascensão de Obama à Casa Branca representava, em sua visão, o início de seu declínio.

Um exemplo desse rancor é a oposição ao movimento Black Lives Matter (a vida dos negros importa), que surgiu em 2013, para chamar a atenção para as mortes de negros desarmados por policiais – 70% dos negros, mas apenas 37% dos brancos, apoiam o movimento. Mais de 140 mil americanos assinaram uma petição pedindo que o grupo seja classificado como terrorista, ao lado do Estado Islâmico.

Donald Trump, um demagogo, canalizou em benefício de sua campanha o ressentimento dessa classe média branca, afetada economicamente de forma mais profunda pela desindustrialização, que se sentiu ameaçada pela ascensão das minorias. Trump revestiu o racismo com a bandeira da anti-imigração. 

Ele nunca se manifestou contra Obama por ele ser negro, o que seria crime – no lugar disso, acusou Obama de ser estrangeiro, nascido em Quênia como seu pai, obrigando o presidente a mostrar a certidão de nascimento. Seu slogan – “Make America Great Again” – em verdade quer dizer: “Vamos fazer a América ser branca de novo”.

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*ADRIANA CARRANCA. ESCREVE AOS SÁBADOS 

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