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Retaliação afeta ação de MPs na América Latina

Procuradores de Argentina, Peru e Venezuela reclamam de ‘reações políticas’ que atrapalham as investigações de casos de corrupção da Odebrecht

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Por Beatriz Bulla
Atualização:

Integrantes dos Ministérios Públicos de Argentina, Venezuela e Perudenunciam o que consideram “reações políticas” a investigações contra corrupção em andamento. Apesar das distintas realidades políticas de cada país, todos compartilham o fato de terem políticos citados pelos delatores da Odebrecht no Brasil.

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No Peru, uma “denúncia constitucional” foi apresentada por parlamentares contra o procurador-geral, Pablo Sánchez, que pode levar à sua destituição. A medida foi anunciada na mesma semana em que procuradores fizeram um interrogatório com Marcelo Odebrecht sobre Keiko Fujimori, líder da sigla oposicionista Força Popular e candidata derrotada na eleição presidencial de 2016.

O procurador-geral do Peru disse ao Estado que a denúncia que o implica “está relacionada com o avanço das investigações por lavagem de dinheiro que envolve a líder do grupo fujimorista”. O escritório peruano da Transparência Internacional, Proética, considera “altamente suspeita” a acusação feita contra Sánchez. Para o diretor executivo da Proética, Walter Albán, investigações contra integrantes da Força Popular foram decisivas para as medidas caminharem rápido no Congresso contra o procurador. 

Os ex-procuradores-gerais da Venezuela Luisa Ortega Díaz, e do Brasil, Rodrigo Janot Foto: AFP PHOTO / EVARISTO SA

“A grande corrupção entrou e comprometeu as mais altas esferas do poder político e econômico. A possibilidade de revelar as redes de corrupção depende agora mais da sociedade civil, dos meios de comunicação e do sistema judicial. As medidas que estão sendo adotadas nos diferentes países tendem a desmobilizar e afetar diretamente esses setores – e nada disso é casual”, afirmou Albán.

Na Venezuela, a ex-procuradora-geral Luisa Ortega foi destituída no início de agosto pelo governo de Nicolás Maduro. Ortega fugiu do país e tem feito revelações sobre o suposto envolvimento do governo venezuelano no escândalo de corrupção que envolve a empreiteira brasileira. Quando esteve no Brasil, em agosto, disse que seu país vive “a morte do direito” e sua deposição ocorreu para “impedir a investigação de casos de corrupção, especialmente sobre a Odebrecht”.

A procuradora argentina Monica Cuñarro considera as situações no Brasil, na Argentina e na Venezuela “similares”. “Não posso deixar de pensar que há um elo condutor, que é a Lava Jato e a informação que surge a partir daí”, disse. Segundo a procuradora, uma forma de “frear” investigações de delitos complexos, como a lavagem de dinheiro, é fragilizar os Ministérios Públicos.

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Há pouco menos de um mês, a ex-procuradora-geral da Argentina Alejandra Gils Carbó anunciou sua renúncia – defendida pelo governo do presidente Mauricio Macri. No comunicado de sua saída, ela disse ter esperança de que a decisão fosse capaz de “dissuadir reformas” no sistema de Justiça. O Senado argentino começou a discutir um projeto que altera a lei orgânica do Ministério Público – o que, na visão de associações de procuradores, reduziria a autonomia da instituição. Uma das principais mudanças era previsão de retirada de um procurador-geral do cargo mediante maioria simples no Congresso. Mas, diante de apelos, os senadores recuaram.

“Está em jogo a independência dos procuradores da América Latina”, disse Cuñarro. “Se Gils Carbó considerou que sua renúncia frearia esse avanço, se equivocou, porque o projeto foi pior”, afirmou a procuradora, que era contrária às alterações em discussão no Senado. 

O ex-procurador-geral da República no Brasil Rodrigo Janot considerou uma “reação orquestrada” as diversas investidas sobre o Ministério Público pela classe política. Segundo ele, é “muita coincidência” que as reações aconteçam ao mesmo tempo e de forma semelhante. Para ele, é preciso investigar essas reações e se articular de forma transnacional. No Brasil, segundo Janot, a reação contra o MPF se dá por meio da CPI mista da JBS, na qual parlamentares chegaram a expor que a intenção era investigar os investigadores.

A Associação Ibero-americana de Ministérios Públicos (Aiamp) manifestou preocupação com o projeto de reforma da lei orgânica na Argentina. A nota é assinada por procuradores-gerais de 12 países, entre eles, a procuradora-geral do Brasil, Raquel Dodge.