'Retorno de Cuba à OEA deve demorar'

Após revogação da suspensão de Havana em 2009, país ainda não manifestou desejo de se reintegrar à entidade

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Por CLÁUDIA TREVISAN , CORRESPONDENTE e WASHINGTON
Atualização:

A Carta Democrática não é um obstáculo para a volta de Cuba à Organização dos Estados Americanos (OEA), afirma o secretário-geral da entidade, José Miguel Insulza, em uma posição contrária à defendida pelos EUA. Segundo ele, em entrevista ao Estado, o governo de Havana até agora não manifestou o desejo de se reintegrar à entidade, apesar de sua suspensão ter sido revogada em 2009, depois de 47 anos. À frente da OEA há quase dez anos, Insulza termina seu mandato em maio. A seguir, a entrevista:Qual o impacto para a região do restabelecimento de relações diplomáticas entre os Estados Unidos e Cuba? Nós levantamos as sanções contra Cuba em 2009, mas persistia essa anomalia em nosso hemisfério. Trinta e três países tinham relações com Cuba e um não, mas isso tem de se desenrolar no ritmo que os dois países quiserem. As sanções (da OEA) foram levantadas em 2009, mas Cuba não voltou. Espero que isso ocorra em algum momento, mas não creio que acontecerá como parte dessa negociação (com os EUA). Isso vai demorar algum tempo. É provável que comecemos com partes do sistema interamericano, como a Organização Panamericana de Saúde e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).Cuba pode integrar o BID sem voltar à OEA? Não estou totalmente certo. Originalmente, a suspensão atingia todo o sistema. Mas ela foi levantada e se estabeleceu um procedimento para Cuba voltar à OEA. É uma questão que temos de discutir sendo muito flexíveis. O sr. recebeu algum sinal de Cuba agora? Não. O que recebi foi uma manifestação muito clara quando levantamos as sanções de que não iriam se incorporar à OEA. Mas depois disseram que estavam interessados em ir à Cúpula das Américas (em abril), que é uma cúpula do sistema. Se quisesse, Cuba poderia voltar neste momento? Teria de pedir um diálogo do Conselho Permanente sobre os grandes temas nos quais a OEA está envolvida e provavelmente mais de um (país) levantaria a questão da Carta Democrática. Eu acredito que são questões que podem ser superadas com boa vontade. A democracia não se promove com a exclusão. A democracia se promove com a inclusão, o diálogo e a cooperação. Não se pode fazer exigências no início de um processo que por sua natureza tem que ser exatamente isso, um processo. A Carta Democrática não seria um obstáculo? A Carta Democrática é uma resolução da Assembleia Geral adotada em 2001, quando estávamos prestes a cumprir 38 anos da suspensão de Cuba. Vamos fazer uma Assembleia Geral para que o chanceler de Cuba ratifique isso? Não creio que seja o melhor procedimento. Além disso, há outros documentos que são tão importantes quanto a Carta Democrática, como a Convenção de Direitos Humanos, que ainda não foram ratificadas por todos os Estados integrantes. Entre os quais, os EUA. Isso é você que está dizendo, mas pelo menos os Estados Unidos a assinaram. O Canadá nem isso fez. O importante é todos possamos discutir em igualdade de condições. Há interpretações distintas da resolução de 2009, não? Essa é uma questão política, não jurídica. Se há vontade política, os temas jurídicos se resolvem. Os EUA se manifestaram contra um volta de Cuba agora? Certamente eles vão colocar a questão da democracia. Depois da Carta Democrática e das modificações da Carta da OEA, há a obrigação de ser um país democrático para estar na OEA. Mas a verdade é que isso não está na Carta da OEA. Eu compartilho desse objetivo, mas temos mais chance de alcançá-lo estando todos aqui. Como se promove direitos humanos e democracia em um país que não está na mesa? A Comissão de Direitos Humanos se pronuncia sobre temas de Cuba, mas isso só tem significado declaratório se Cuba não está na organização. Qual é sua expectativa com a Cúpula das Américas? A primeira é que estejam todos sentados juntos, para começar. E depois, discutir os problemas das Américas com muita franqueza. Na última cúpula, um dos obstáculos para discutir todas as coisas foi a ausência de Cuba. Agora não haverá esse problema. Temos de falar dos problemas do crescimento econômico e da desigualdade. Esse é o tema da cúpula, prosperidade com equidade. Também teremos que discutir a questão da droga e da criminalidade e da governabilidade democrática. Esses são os quatro grandes temas da região. É uma grande coisa que pela primeira vez em 200 anos de independência estejam todos sentados na mesma mesa. Nunca houve uma conferência das Américas em que todos os chefes de governo de Estados independentes estivessem em torno da mesa. Só isso já vale a reunião.Voltando à questão democrática, essa é uma fonte de preocupação na região? Há problemas em alguns países. Neste momento estamos em uma situação muito difícil na Venezuela, por exemplo. Se toda a oposição fosse para a casa e não se movesse mais, os problemas não estariam solucionados, porque são problemas de natureza econômica e social. Há outros países com coisas que poderiam melhorar no sistema democrático, na questão da independência do Poder Judiciário ou de liberdade de expressão, que não é apenas dos governos, mas que tem a ver com a concentração dos meios e da violência contra comunicadores. Há uma série de temas complexos. Mas isso ocorre em uma situação na qual progredimos muito.

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