Revolta com ‘politicamente correto’ é igualmente apoio e fardo para Trump

Ao mesmo tempo em que linguagem ‘franca’ para se referir a minorias atrai parte significativa do eleitorado americano, ela se converte em obstáculo para que líder das primárias republicanas chegue à Casa Branca nas eleições gerais

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Por Cláudia Trevisan , CORRESPONDENTE e WASHINGTON
Atualização:

WASHINGTON - O desprezo pelo politicamente correto e a suposta habilidade de “dizer as coisas como elas são” ocupam o topo das qualidades que fizeram milhões de americanos gravitarem na direção de Donald Trump, o outsider bilionário que tomou conta do Partido Republicano apesar de representar o oposto do que a legenda planejou se tornar depois de duas derrotas consecutivas para Barack Obama na disputa pela Casa Branca.

Na “autópsia” da eleição de 2012, os republicanos concluíram que precisavam ser mais abertos e inclusivos, para se manter relevantes numa sociedade na qual minorias representam parcela crescente da população. Também decidiram que cultivariam de maneira mais ativa as mulheres, que representam a maioria do eleitorado.

O magnata norte-americanoe pré-candidato à presidência dos EUA pelo Partido Republicano Donald Trump vem ganhando notoriedade política nos útlimos meses e está entre os líderes mais influentes do mundo de acordo com a Time. Foto: AFP / JIM WATSON

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Os autores do relatório de 2012 só não previram o fenômeno Trump, o insurgente que conquistou uma legião de seguidores com uma retórica que ataca imigrantes, despreza as mulheres e demoniza os muçulmanos. Exatamente o oposto do que o estudo com base em milhares de entrevistas e uma ampla pesquisa com eleitores latinos propunha.

“O Partido Republicano precisa fazer as pazes com a mudança demográfica da América. Se ele disputar contra hispânicos e outras minorias, isso não será sustentável”, disse um dos autores da “autópsia”, Pete Wehner, ao jornal Politico. Em 1990, os brancos representavam quase 85% do eleitorado americano. Há quatro anos, na reeleição de Obama, o porcentual havia caído para 72% e a previsão é que ele seja de 70% em novembro, quando os americanos escolherão seu próximo presidente.

Trump conquistou votos com um estilo personalista e autoritário e promessas vagas e inexequíveis, apresentadas em slogans bombásticos. As mais célebres são a expulsão de 11 milhões de imigrantes que vivem sem documentos nos EUA, a construção de um muro na fronteira com o México e o fechamento das fronteiras do país a pessoas que professem a fé islâmica.

Seu lema é “Tornar a América Grande de Novo”. Não está claro quando o país teria supostamente perdido esse status, mas há uma nostalgia entre muitos de seus eleitores de um período em que os EUA eram menos diversos. “Os brancos americanos, mesmo que eles não articulem isso em termos racistas, estão vendo uma América diferente e muitos não estão preparados para lidar com ela”, disse o analista político John Zogby, dono de empresas de pesquisas de opinião especializadas em eleições.

A chegada à Casa Branca do primeiro presidente negro acentuou o desconforto dessa parcela da população, que também vê com apreensão mudanças culturais como o casamento gay, legalizado em todo o país em 2015 por uma decisão da Suprema Corte. A revolta contra o politicamente correto – e a mudança que ele impôs na linguagem para se referir a minorias - é um reflexo da rejeição a essas mudanças. “Eu acho que ele dá voz à intolerância e ao racismo”, observou Zogby. Em 2011, quando considerou disputar a presidência, Trump ajudou a propagar um dos rumores mais persistente que circulam na extrema direita americana: o de que Obama não nasceu nos EUA, com o subtexto de que ele é provavelmente muçulmano. 

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Heather Richardson, professora de História do Boston College, atribuiu o sucesso de Trump à sua habilidade de dizer o que as pessoas querem ouvir. “Ele é um vendedor e está vendendo puro ódio”, disse Richardson, que é autora de To Make Men Free (Tornar os Homens Livres), sobre a história do Partido Republicano.

O bilionário diz que está atraindo novos eleitores para a legenda, o que levou a recordes de participação nas primárias da terça-feira. Mas antecedentes históricos mostram que não há uma correlação entre o nível de participação nas prévias e o da eleição geral. Para Richardson, Trump não reverterá a perda de apelo da legenda provocada pelas mudanças demográficas. “A maioria dos americanos não vota no Partido Republicano.”

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