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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Secessionistas em alta

Catalães e espanhóis usam os mesmos argumentos para acusar uns aos outros

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Atualização:

No domingo passado, falei de como profissionais africanos e europeus estão trabalhando com a falta do sentimento de “pertencer a um lugar” que tem levado jovens a se alistarem em grupos terroristas. Do Marrocos, vim para a Catalunha, cobrir as eleições regionais, que equivaleram a um novo plebiscito sobre a independência da região em relação à Espanha.

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Para perplexidade do restante da Espanha e do mundo, os separatistas venceram essas eleições convocadas pelo governo central espanhol depois de destituir o Parlamento e o governo regionais, por terem declarado independência, em outubro. 

Somados, os três partidos separatistas mantiveram a maioria absoluta, com 70 cadeiras no Parlamento de 135, e o destino da Catalunha permanece incerto, já que o primeiro-ministro Mariano Rajoy se mostra determinado a intervir de novo, se houver nova declaração de independência, como prometem os vencedores.

A perplexidade, no entanto, é a sensação de quem está distante. De perto, é possível entender os separatistas catalães, como é possível também entender a reação dos que vivem na Catalunha e se sentem espanhóis. De novo, o que encontrei na cosmopolita Barcelona, assim como na provinciana Girona, reduto do separatismo, foi a questão do “pertencimento”. 

Muito se tem dito sobre o quanto as escolas catalãs criaram, a partir da autonomia recuperada nos anos 80, uma geração que vive em uma “bolha catalã”, que estuda uma história deturpada, na qual os espanhóis figuram como vilões, e o castelhano é ensinado como língua estrangeira. Tudo isso é verdade, mas é também apenas parte dela. 

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Encontrei pessoas na faixa dos 50 anos de idade, incluindo profissionais da área de educação, com dificuldade de falar espanhol - ainda que o bloqueio possa ser mais psicológico do que idiomático. Nas gerações anteriores à da suposta lavagem cerebral nas escolas, já existe uma forte identidade. 

Tão forte que passa por cima de preferências ideológicas, num mundo de polarização entre esquerda e direita. Em Girona, encontrei eleitores anarquistas do partido de extrema esquerda Candidatura da Unidade Popular (CUP), que nutrem simpatia por Carles Puigdemont, ex-prefeito da cidade e governador destituído da Catalunha, embora ele pertença a um partido de direita, o Juntos pela Catalunha.

Encontrei em Girona separatistas que se queixam de que o governo da Espanha só ajuda os imigrantes estrangeiros, e outros que não se importam de deixar de pertencer à União Europeia porque ela é “fascista”, já que “não faz nada pelos refugiados”. 

Ao mesmo tempo, os espanhóis que vivem na Catalunha e querem que ela continue sendo parte da Espanha se sentem discriminados pelos catalães, como estrangeiros. Eles são chamados pejorativamente de “charnegos”, uma palavra que na sua origem significa “cachorros”, e são vistos e retratados nas novelas da TV3, o canal estatal catalão, como malandros e estúpidos. 

De ambos os lados, catalães e espanhóis encontram argumentos para demonstrar que são os outros que os exploram, subjugam e desmerecem. Em alguns casos, os argumentos chegam a ser idênticos, apenas com o sinal trocado.

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Em 2006, um acordo permitiu a aprovação do chamado “Estatut”, que garantia autonomia na educação e no uso das receitas orçamentárias por parte da “Generalitat”, o governo regional catalão. Entretanto, o Estatut foi “recortado”, como dizem os catalães, por uma decisão do Tribunal Constitucional, atendendo a um pedido do Partido Popular, atualmente no poder, que tem vínculos históricos com a ditadura nacionalista de Francisco Franco (1939-75).

O Estatut é uma referência à qual espanhóis e catalães podem voltar, de tempos melhores (não perfeitos), quando escapavam da armadilha do ressentimento.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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