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Segredos da ascensão regional saudita

Fortalecimento da monarquia cujas raízes remontam a 300 anos está ligada à debilitação dos vizinhos pela Primavera Árabe

Por DAVID D. KIRKPATRICK
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Os governantes da Arábia Saudita ficaram apreensivos quando eclodiram as revoltas da Primavera Árabe, há quatro anos. Mas, longe de debilitar a dinastia saudita, o caos que se seguiu por toda a região, pelo contrário, deixou a monarquia com um poder e influência sem rivais. Um novo rei assume o trono em Riad e o autoritarismo com foco na estabilidade, sistema que os sauditas sempre privilegiaram, vem ressurgindo de Túnis ao Cairo e Manama. Os islamistas que pregavam eleições no país fugiram. O príncipe Mohammed bin Nayef, ministro do Interior responsável pelo combate à Al-Qaeda e às minorias xiitas descontentes com a monarquia, foi recompensado na semana passada e apontado como o primeiro herdeiro de sua geração na linha sucessória da coroa. A questão, segundo analistas e diplomatas, é que a ascendência dos sauditas em grande parte decorre da fragilidade ou do quase colapso de muitos Estados em torno do país, incluindo Iraque, Egito, Síria, Iêmen, Líbia, Bahrein e Tunísia. E a persistência da velha ordem depende muito do fluxo constante de recursos sauditas, de modo que sua influência custa caro. Os sauditas estão amparando o reino do Bahrein, lutando ao lado dos EUA em auxílio ao governo em Bagdá. Bilhões de dólares dos cofres sauditas sustentam governos amigos no Egito e na Jordânia. Milícias sustentadas pelos sauditas combatem na Líbia e a mídia de notícias de propriedade saudita dá suporte crucial para facções que desfrutam do apoio da monarquia na Tunísia e em outros lugares. O reino saudita obteve vitórias limitadas, incluindo o governo instalado pelos militares no Cairo e o governo eleito em Túnis. Mas os mesmos problemas enfrentados por seus vizinhos também deixam os governantes sauditas preocupados. Seus esforços até agora não resultaram em alguma estabilidade na Síria, no Iraque ou na Líbia. Um plano de transição corroborado pela Arábia Saudita para o vizinho Iêmen fracassou, o que deixou os rebeldes patrocinados pelo Irã no controle da capital. Para uma monarquia absoluta, cujas raízes remontam a 300 anos, o papel de liderança da Arábia Saudita na luta para pôr fim a essa desordem está no resultado inesperado da Primavera Árabe, que antes alimentou esperanças de um estado de direito e uma democracia moderna. Como a Líbia sob Muamar Kadafi, a Arábia Saudita é controlada por uma família que governa, sem instituições permanentes no governo ou na sociedade civil. E como a Síria, os sauditas, agora sob o governo do rei Salman, mantêm um severo controle das tensões sectárias em ebulição entre a minoria xiita do reino e os dirigentes sunitas. Segundo alguns historiadores, a Arábia Saudita com frequência projeta suas preocupações internas para a região. Por exemplo, as tensões com os xiitas dentro do país alimentam sua rivalidade com o Irã xiita. Os temores sobre os desafios internos de islamistas políticos insuflam a hostilidade do reino para com a Irmandade Muçulmana, opina Toby Jones, historiador na Rutgers University. "Para os sauditas 'existem coisas que precisam ser subjugadas' na região porque são coisas que precisam ser subjugadas dentro do reino", disse Jones. Como o Estado árabe mais populoso, o Egito há muito tempo é considerado o líder árabe de facto, o coordenador da Liga Árabe, o supervisor das conversações entre israelenses e palestinos e o principal contrapeso militar ao poder iraniano. Mas quando a revolução que derrubou o presidente Hosni Mubarak em 2011 mergulhou o país no caos, a Arábia Saudita "assumiu suas responsabilidades" de comandante, disse Abdel Gawad, especialista do Al-Ahram Center do Egito. O rei Abdullah, morto na sexta-feira, desaprovou, nos bastidores, a deposição de Mubarak, criticando severamente as autoridades americanas por terem abandonado o governante egípcio. Em silêncio, os dirigentes sauditas lamentaram a subsequente eleição dos radicais da Irmandade Muçulmana. Quando Abdel-Fattah al-Sissi, então general e ex-adido militar na Arábia Saudita, liderou a tomada de poder no Cairo em 2013, a Arábia Saudita tornou-se seu mais importante patrocinador, tendo fornecido rapidamente mais de US$ 12 bilhões de ajuda financeira. Al-Sissi, atual presidente do Egito, decretou na semana passada sete dias de luto nacional pela morte do rei Abdullah. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO*David D. Kirkpatrick é jornalista

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