Seul treina time para decapitar ditador vizinho

Com tropa de elite treinada para matar Kim Jong-un, Seul quer pelo menos assustar ditador

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Por Choe Sang-Hunsept
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Na última vez que se soube que a Coreia do Sul havia conspirado para assassinar a liderança norte-coreana, nada saiu como planejado. 

No fim da década de 60, depois que unidades especiais da Coreia do Norte tentaram saquear o palácio presidencial em Seul, a Coreia do Sul treinou secretamente grupos de desajustados, tirados das prisões ou das ruas para infiltrar-se na Coreia do Norte e cortar o pescoço de seu líder, Kim Il-sung. Quando a missão foi abortada, os homens amotinaram-se.

O regime liderado por Kim Jong-un censurou Seul por realizar manobras com fogo real perto da fronteira ocidental com o Norte Foto: KCNA via REUTERS

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Eles mataram seus treinadores e lutaram para escapar até Seul antes de se explodirem, um episódio que o governo ocultou durante décadas.

Agora, enquanto o neto de Kim, Kim Jong-un, acelera seu programa de mísseis nucleares, a Coreia do Sul prepara de novo ter como alvo a liderança do Norte. Um dia depois que a Coreia do Norte realizou seu sexto – e até agora mais poderoso - teste nuclear este mês, o ministro da defesa sul-coreano, Song Young-moo, disse a legisladores em Seul que uma “unidade de decapitação” das forças especiais será constituída até o fim do ano.

A unidade, do tamanho de uma brigada, ao contrário de sua equipe equivalente, vai operar oficialmente. Os militares têm reequipado helicópteros e aviões de transporte para penetrar na Coreia do Norte à noite, de forma que as forças, conhecida como os Três Mil de Esparta, possam realizar ataques aéreos.

Raramente um governo chega a anunciar uma estratégia para assassinar um chefe de Estado, mas a Coreia do Sul quer manter o Norte tenso e no limite quanto às consequências de continuar a desenvolver seu arsenal nuclear. Ao mesmo tempo, a postura cada vez mais agressiva do Sul tem como finalidade ajudar a pressionar a Coreia do Norte a aceitar a oferta do presidente Moon Jae-in de negociações. 

É um ato de difícil equilíbrio compatibilizar a preferência de Moon por uma solução diplomática contra a necessidade de seu país de responder a uma questão existencial: como pode um país sem armas nucleares conter um ditador que as tem?

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“A melhor forma de dissuasão que podemos ter, ao lado de ter nossas próprias armas nucleares, é fazer com que Kim Jong-un tema pela sua vida”, disse Shin Won-sik, um general de três estrelas que foi o principal estrategista operacional da Coreia do Sul antes de sua aposentadoria em 2015.

As medidas também levantam questões sobre se a Coreia do Sul e seu mais importante aliado, os Estados Unidos, estão criando as bases para matar ou incapacitar Kim e seus altos assessores antes que eles possam sequer ordenar um ataque.

Enquanto o secretário de Estado Rex W. Tillerson afirmou que os Estados Unidos não buscam uma alteração na liderança da Coreia do Norte e os sul-coreanos dizem que as novas táticas militares se destinam a compensar a ameaça norte-coreana, os recursos que estão montando podem ser usados de forma preventiva.

A tática levou a um grande avanço na semana passada, quando o presidente Trump concordou com um aumento da capacidade de armas sul-coreanas, que obedecem a um tratado de décadas atrás, permitindo que o país construa misseis balísticos mais potentes. Os Estados Unidos ajudaram a Coreia do Sul a construir seus primeiros mísseis balísticos na década de 1970, mas em troca, impuseram restrições, tentando prevenir uma corrida armamentista regional.

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“Nós agora podemos construir mísseis balísticos que podem atingir os abrigos subterrâneos onde Kim Jong-um pode estar escondido”, disse Shin. “A ideia é: como poderemos incutir o tipo de medo que um armamento nuclear provocaria – mas fazer isso sem armas nucleares. Num sistema medieval como o da Coreia do Norte, a vida de Kim Jong-un é tão valiosa quanto a de centenas de milhares de pessoas comuns cujas vidas seriam ameaçadas por um ataque nuclear”.

Embora uma maioria de sul-coreanos, especialmente políticos conservadores e comentaristas, defendem armar seus país com armas nucleares próprias, Moon tem repetidamente se comprometido a livrar a península coreana de tais armamentos. Em junho, Trump reafirmou a doutrina de Washington de um guarda-chuva nuclear, prometendo proteger o Sul com “todo amplo espectro de capacitação militar dos Estados Unidos, tanto convencional como nuclear”.

Mas depois que a Coreia do Norte testou dois misseis balísticos intercontinentais em julho, incluindo um que parecia ter condições de atingir o território dos Estados Unidos, os sul-coreanos não estão tão certos de que os americanos cumprirão o prometido.

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“Será que os americanos vão intervir em uma guerra na península se sua própria Seattle estiver sob ameaça de um míssil balístico intercontinental norte-coreano? ”disse Park Hwee-rhak, analista militar na Universidade Kookmin em Seul.

A Coreia do Sul acaba de introduzir três programas: Cadeia da Morte; o programa de defesa aérea coreano por mísseis e a Iniciativa Abrangente de Punição e Retaliação, que inclui a unidade de decapitação.

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Moon comprometeu-se a expandir o orçamento da defesa em 2,9% do PIB do país durante seu mandato, dos 2,4%, ou sejam US$ 35,4 bilhões, até o fim do ano. Para o próximo ano, seu governo tem como proposta um orçamento de US$ 38,1 bilhões, quase US$ 12 bilhões dos quais para armas para se defender da Coreia do Norte.

Em um post no Twitter na semana passada, Trump disse “Estou permitindo que o Japão e a Coreia do Sul comprem uma quantidade substancialmente maior de equipamentos militares altamente sofisticados dos Estados Unidos”.

Sob o programa Cadeia da Morte, a Coreia do Sul pretende detectar iminentes ataques com mísseis vindos daCoreia do Norte e lançar ataques preventivos.

A Coreia do Norte mantém artilharia e rampas de foguetes perto da fronteira, e é capaz de enviar 5,2 mil a Seul nos 10 primeiros minutos de guerra, dizem planejadores militares da Coreia do Sul. O Norte também opera centenas de mísseis destinados a atingir a Coreia do Sul e bases dos Estados Unidos no Japão e além, para repelir uma intervenção americana, caso irrompa uma guerra.

A necessidade de detectar um ataque iminente tornou-se ainda mais crítica. A Coreia do Norte tornou suas bombas nucleares cada vez menores e leves – pesando menos de 500 quilos – para serem carregadas em mísseis, embora ainda não esteja claro se esses estão totalmente armados, disse na semana passada o ministro da Defesa, Song. Mas a detecção também se tornou mais complexa.

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A Coreia do Norte esconde seus mísseis em muitos túneis subterrâneos. A mudança para combustível sólido facilitou o transporte de alguns dos mísseis e torna mais rápido seu lançamento. Nos últimos anos, a Coreia do Norte também testou o lançamento de misseis a partir de submarinos, que são mais difíceis de serem detectados.

E as potenciais consequências são imensas.

Um erro de cálculo pode suscitar um ataque preventivo sem garantias, que pode dar início a uma guerra nuclear regional. Falando perante uma audiência no Congresso americano em junho, o chefe do Estado Maior Conjunto, general Joseph F. Dunford Jr., disse: “teremos mortes, diferentemente do que vimos nos últimos 60 ou 70 anos”.

A capacitação em inteligência, vigilância e reconhecimento é crucial, disse Daniel A. Pinkston, especialista em defesa no câmpus de Seul da Troy University. Sem tais capacitações, “estarão ‘atirando no escuro’ porque as unidades de mísseis não poderão identificar seus alvos”, acrescentou.

No mês passado, a Coreia do Sul anunciou que iria lançar em órbita cinco satélites espiões entre 2021 e 2023 para melhor monitorar as movimentações de armamentos na Coreia do Norte. Enquanto isso, dialoga com países como a França e Israel para fazerem o arrendamento de satélites espiões. O país também pretende introduzir quatro drones americanos RQ-4 Global Hawk de vigilância no próximo ano.

Se os ataques preventivos fracassarem, a Coréia do Sul espera que sua força aérea programa de Defesa de Mísseis derrubem quaisquer foguetes vindos do Norte.

A Coreia do Sul planeja fazer um upgrade em seu interceptador de mísseis PAC-2 por uma melhor defesa de baixa altitude. Na semana passada, a Coreia do Sul ajudou os militares dos Estados Unidos a instalar uma bateria de defesa contra mísseis Thaad, que intercepta foguetes inimigos em altitudes mais elevadas. Para proteção adicional, a Coreia do Sul está desenvolvendo seu próprio interceptador de mísseis L-SAM, assim como instalando mais radares para detecção precoce de mísseis balísticos.

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Depois do último teste nuclear do Norte, a Coreia do Sul disparou seus misseis balísticos de curto alcance Hyunmoo-2 em um exercício simulando um ataque no sítio de testes do Norte. Em julho, os militares do Sul também liberaram imagens simuladas de seus mísseis Taurus, destruidores de bunkers, atingindo o ministério da Defesa em Pyongyang, capital da Coreia do Norte. A Coreia do Sul está comprando 260 mísseis Taurus de uma joint-venture da Suécia e Alemanha.

As armas fazem parte do programa coreano Iniciativa Abrangente de Punição e Retaliação. Segundo o plano, a Coreia do Sul tentará dividir Pyongyang em vários distritos e arrasar as áreas onde se acredita que Kim-Jong-Un esteja escondido, dizem analistas de defesa.

A decisão de Washington de permitir o aumento da capacidade de armas sul-coreanas pode permitir que o país desenvolva novos mísseis Hyunmoo capazes de destruir sítios de armas e profundos abrigos subterrâneos de líderes, disse Shin Jong-woo em um Fórum de Defesa da Coreia do Sul, uma rede de especialistas em assuntos militares com sede em Seul.

Shin disse que se falou na construção de um Hyunmoo com uma ogiva de duas toneladas.

As restrições anteriores impediam a Coreia do Sul de agregar uma carga que pesasse mais de meia toneladas ao seu míssil Hyunmoo, quando o foguete tinha um alcance de mais de 800 quilômetros.

Assim que se espalharam as notícias sobre os novos planos de assassinato da Coreia do Sul, Kim usou os carros de seus deputados como disfarce para suas movimentações de um lugar para outro, disseram funcionários do setor de inteligência da Coreia do Sul, em junho.

Ainda assim, muitos deles duvidam que a ameaça seja suficiente para restringir Kim. Apenas a perspectiva de retaliação nuclear será suficiente, eles dizem.

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“O equilíbrio pelo terror é o melhor atalho para impedir a guerra”, disse no Parlamento Yoon Sang-hyun, deputado conservador da oposição, na terça-feira da semana passada. / Tradução de Claudia Bozzo

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