Soldado usa as mãos para achar explosivo

Desminagem é arriscada e deixa rastro de mortos e amputados

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Por Pablo Pereira
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Sob o sol forte do verão de Antioquia, terra do artista Fernando Botero, o pintor de mulheres volumosas que tem reproduções de seu tocante Pedrito Botero nas paredes humildes do interior colombiano, o trabalho dos soldados no campo minado beira o heroísmo. Protegidos por coletes blindados e capacetes, mas com pernas e braços expostos, eles usam detectores de metais para localizar as minas, mas é com as mãos que limpam, devagar, a vegetação da chácara de Los Mangos. Cada desminador tem de entregar até 15 metros de extensão de terreno limpo por dia. O perigo os acompanha a cada segundo.

“Para garantir a segurança dos soldados não se pode ter pressa em campo minado”, explica o cabo López Gutiérrez, um dos responsáveis pela identificação das áreas sob suspeita de existência de armadilhas explosivas. Em julho, o soldado desminador Wilson de Jesús Martínez, de 37 anos, morreu ao detonar, por acidente, uma mina durante a busca por explosivos em Briceño, cerca de 8 mil habitantes, 180 quilômetros ao norte de Medellín.

Rubiel Villega perdeu o pé depois de pisar em uma mina em Vereda La Esperança,na zona rural da cidade de Cocorná Foto: CLAYTON DE SOUZA/ESTADAO

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O campo minado da Loma El Capitán, na vereda El Orejón, onde aconteceu o acidente, é examinado por um grupo de militares em conjunto com representantes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e da ONG norueguesa Ação Popular Noruega (APN). É um projeto piloto que desmonta e elimina as minas como parte do esforço de convivência pacífica que precede o acordo nacional de paz ainda em negociação em Havana.

O temor paralisante das mutilações e o perigo não ocorrem somente entre soldados e colonos nas lavouras e campos. Na zona urbana de Cocorná, Júlio César Ruiz Velásquez, de 46 anos, sofre com as dores nas amputações em suas duas mãos, decepadas há 13 anos quando trabalhava em uma oficina de conserto de eletrodomésticos na cidade. “Era um sábado, estava trabalhando quando o artefato explodiu”, conta. Como ele, Rubiel Villegas Rendón, de 63 anos, também foi vítima dos explosivos. “Perdi dois filhos para esta guerra e uma mina me levou um pé”, recorda. 

Mercado de terras. No entanto, o perigo das minas escondidas não é o único problema das equipes dessa limpeza tensa. Além do cuidado com a desminagem manual, quando o soldado localiza o explosivo e cava ao redor dele com uma colher de jardinagem, por baixo, para evitar contato com gatilhos escondidos, os especialistas têm de observar o oportunismo. 

“Temos de fazer um estudo técnico cuidadoso para evitar os aproveitadores” diz Alexander Martínez, capitão do Batalhão de Desminagem (Bides), que trabalha em Cocorná. “Há terras que não foram contaminadas, mas os proprietários querem obter logo o certificado de desminado e poder faturar no mercado imobiliário rural antes dos outros”, explica.

Na dúvida, os especialistas do Bides vistoriam as áreas com registro de suspeita ou denúncias e as enquadram em protocolos internacionais de desminagem antes das varreduras. Uma comissão de observadores internacionais avalia os dados e fiscaliza caso a caso. 

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Atendidos os requisitos de suspeita, como localização de combates, áreas de trânsito de tropas regulares ou guerrilheiras, ou ainda locais de ampla visitação, os desminadores então são chamados para a limpeza. “Como há muitos lugares, precisamos evitar o desperdício de recursos e homens”, argumenta o militar.

Nos campos minados de áreas planas e ao redor de bases e quartéis, o Exército colombiano já usou máquinas para limpar terreno. Tratores ou blindados militares equipados com correntes apresentam resultados mais rápidos. Há também pelotões com cães treinados para a localização dos explosivos.

No entanto, em Cocorná, as máquinas não podem entrar. É terra de quebradas e cerros, com ladeiras íngremes, como a de Los Mangos. Atualmente, segundo o Bides, os militares não têm encontrado as minas industrializadas, que eram mais usadas na proteção dos quartéis. Esse trabalho foi feito entre 2005 e 2010. A herança maldita que apavora e mutila os civis é artesanal. São objetos explosivos improvisados, como garrafas plásticas carregadas com pregos e parafusos e substâncias para detonação.

Há ainda cargas em tubos de PVC ou até pelotas de explosivo com cacos de metais envoltas em fita adesiva. Os detonadores são de vários tipos. Vão de baterias com controle remoto e fios inflamáveis de pólvora preta a seringas de injeção fixadas em bocas de garrafas ou até em baldes e panelas. Os êmbolos são deixados puxados para fora à espera do incauto. Pressionado, ele aciona uma reação química ou elétrica – e bum!

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