Sonho separatista dói no bolso de catalães

Em meio a manifestações pró-independência, lucro do turismo caiu até 15% em Girona

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Por Andrei Netto
Atualização:

GIRONA, ESPANHA - O “efeito Puigdemont” varreu as ruas de Girona, cidade de 95 mil habitantes, no norte da Catalunha, na quinta-feira. Mobilizados em torno de seu ex-prefeito, os partidos secessionistas dominaram a província, uma das quatro da região, com 63,7% dos votos.

Vicki Alemany diz que sofre com crise Foto: FOTO ANDREI NETTO / ESTADAO

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A despeito do apoio inequívoco da população de Girona ao movimento independentista, um outro “efeito Puigdemont” se faz sentir nas ruas da cidade. Trata-se do impacto econômico provocado pelo “processo”, como os separatistas chamam a tentativa de construção de uma Catalunha independente da Espanha. 

Desde que o movimento se acelerou, em setembro, em meio greves e a protestos de rua cotidianos, às vésperas do plebiscito informal de 1.º de outubro, a atividade vem se desacelerando. No período, o número de turistas que visitam a região caiu 5% em comparação ao ano passado, e o lucro do setor desabou ainda mais: entre 10% e 15% entre outubro e novembro.

Crise

Em um setor crucial para a economia da Catalunha, do qual dependem mais de 400 mil pessoas em empregos diretos, mais contratos precários, o risco social é real. O resultado prático foi o aumento do desemprego desde outubro, somado à paralisação dos investimentos internos – 46% dos patrões afirmam ter congelado planos, enquanto 25% pretendem contratar menos do que imaginavam em 2018. 

Os efeitos em cascata se multiplicam: menos 4% de vendas no comércio, que se agrega à fuga de empresas da Catalunha. Embora os números sejam contraditórios, analistas mais pessimistas estimam que em torno de 1% das empresas locais teria deixado a região. Parece pouco, mas juntas somariam 30% do PIB. 

“Se a incerteza se reduzir muito nos próximos meses, os efeitos serão transitórios e limitados”, diz Miguel Cardoso, economista-chefe do banco BBVA. “Mas, se a incerteza se estender, o impacto também será prolongado. Por ora, tudo é incerteza.”

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Em Girona, o lado nocivo do “efeito Puigdemont” se faz sentir nas principais ruas de comércio da cidade. Na sexta-feira, às vésperas do Natal, o movimento era baixíssimo, com lojas vazias ou até fechadas. 

“Desde que o movimento independentista se intensificou, o turismo caiu, assim como as vendas do comércio e a atividade econômica. Em um dia como hoje, as ruas deveriam estar cheias de turistas e consumidores, mas veja como está”, lamenta o gerente de uma joalheria de luxo no centro da cidade. “Mas acabamos de votar de novo e o resultado foi mais uma vez favorável ao independentismo. As pessoas parecem dispostas a pagar o preço. Até onde estão dispostos a ir, não sei. Mas seguem indo.”

No feudo político de Puigdemont, a independência se tornou uma questão de honra, a despeito de seus impactos. Nas janelas, bandeiras “estreladas” e cartazes de apoio ao “sim” à secessão estão por toda parte. 

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“A economia parou um pouco, mas sobretudo na Província de Girona somos muitos favoráveis à independência – e ainda mais nos povoados pequenos, com aposentados e pessoas que viveram a guerra”, diz Vicki Alemany, catalã, independentista e comerciante que admite sentir na pele a queda da atividade econômica. “Poderíamos ter negociado melhor, exigido mais do governo central. Creio que os dois lados tenham ido muito mal. E agora é muito complicado para Puigdemont. Teriam de anular o processo, liberar os presos e chegar a acordos em muitas coisas. Não creio que o governo central vá ceder. Seguiremos sob intervenção.”

Entre os raros críticos do movimento independentista, uma queixa frequente é que na província o separatismo está intimamente ligado a um sentimento de rejeição à imigração. “Observe que em zonas com mais imigração, atual ou histórica, partidos unionistas como Ciudadanos têm mais votos, enquanto em zonas com população mais autóctone votam por partidos independentistas”, diz O. Pujol, morador de Girona, eleitor de Ines Arrimadas e Ciudadanos, rivais de Puigdemont. “O que ocorre aqui ocorre em todo o mundo onde existe medo da imigração.”

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