Taleban conta com "reservistas" no Paquistão

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Por Agencia Estado
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O desejo de juntar-se à jihad (guerra santa) na paquistanesa Chaman, a um quilômetro da fronteira afegã, é real e sincero. E não só entre os afegãos que estão deixando suas família do lado paquistanês e voltando para lutar nos campos do Afeganistão. Nas lojas de bugigangas importadas do Grande Mercado - na verdade, um centro de revenda de mercadorias contrabandeadas da zona franca que vigora no Afeganistão -, os homens se reúnem para discutir táticas militares para conter um eventual avanço das forças terrestres da coalizão liderada pelos EUA ou da guerrilha que se opõe ao Taleban, a Aliança do Norte. "Aqui em Chaman, nós somos militares da reserva do Taleban" declarou à Agência Estado Abdul Salik, o mais exaltado dos "mujahedines reservistas", durante uma conversa com um grupo de amigos numa das lojas do mercado. "Se o mulá Omar (Mohammed Omar, líder supremo da milícia) precisar de nós, estaremos prontos para ajudá-lo." Chaman tem 300 mil habitantes - dos quais, 200 mil são refugiados afegãos que atravessaram a fronteira ao longo da seqüência de guerras que seu país vem enfrentando desde o início da década de 70. Todos os moradores da cidade são pashtuns, como os integrantes da milícia afegã, e todos foram educados pelas madrassas, as escolas religiosas que adotam a interpretação literal do Alcorão e são, em si, a origem do movimento Taleban. Esse grupo tem preocupado o governo de Islamabad, que pressiona os líderes talebans para proibirem o ingresso de cidadãos paquistaneses em suas fileiras. "Todo pashtun sabe manejar uma arma desde criança", explica à AE outro participante da conversa, Rahzi Abdullah, que é motorista em Chaman. "Combater um inimigo não é novidade para nós. Gostamos disso. Não temos medo de morrer gloriosamente durante uma batalha." Abdullah ressalta as diferentes motivações para o combate que podem se contrapor numa invasão terrestre maciça do Afeganistão liderada pelos EUA. "Somos pashtuns, lutaríamos por nossa gente, por nossa terra e pelo Islã. Conhecemos cada centímetro do terreno e estamos acostumados a lutar nessas condições. Os ´ianques´ têm equipamentos, armas poderosas, dinheiro e tecnologia. Mas são garotos convocados a combater muito longe de suas casas por alguma coisa que não sabem bem o que é, estarão numa terra estranha e sem o apoio da população local." Os efeitos do deserto sobre o organismo de quem não está acostumado a ele podem ser terríveis. O ar é seco e, misturado à poeira, faz o nariz sangrar. A temperatura chega a 40 graus centígrados em Chaman, à noite, no inverno, cai para perto de zero graus. A cidade já exerceu papel importante durante a conquista de Kandahar pelos talebans em outubro de 1994, quando a milícia mostrou pela primeira vez seu poder ao resto do mundo e partiu dali para dominar cerca de 90% de todo o território afegão. Partiram tanto das madrassas de Chaman como das proximidades de Kandahar as primeiras unidades combatentes do Taleban que conquistaram Spin Buldek, a 10 quilômetros, no lado afegão. "A tomada de Spin Buldek talvez tenha sido a mais importante da campanha do Taleban, pois ela cortou o suprimento de alimentos e combustível, que iam do Paquistão para as tropas de Hekhmatiar (Gubuldin Hekmatiar, um dos senhores da guerra que tomaram o poder no Afeganistão antes do surgimento do Taleban), Kandahar", lembra Abdul Malik. "Nós fomos todos para Spin Buldek para ajudar os talebans a ocupar a cidade." O combate por Spin Buldek deixou sete mortos e dezenas de feridos entre as tropas de Hekhmatiar e os talebans. A milícia dos estudantes islâmicos (taleban é o plural de talib, que significa estudante em pashtun) perdeu apenas um combatente. De Spin Buldek, o Taleban marchou sobre Kandahar em poucos dias, derrotando as tropas de Hekhmatiar e conquistando um precioso butin: dezenas de tanques, milhares de armas leves, veículos militares e, talvez o mais importante, seis caças MiG-21 e seis helicópteros de transporte de tropas que tinham sido tomados durante a ocupação soviética. Duas semanas depois, o movimento tinha conquistado 12 das 31 províncias afegãs, com baixas insignificantes para a magnitude da campanha. Em novembro, quando os talebans chegaram à capital, Cabul, as tropas dos senhores da guerra inimigos puseram-se em fuga sem oferecer resistência. "Fomos importantes para a conquista do Taleban e ajudamos o Afeganistão a livrar-se de bandidos e corruptos como Hekhmatiar, Rabani, Dostan e Shah Massud", afirmou Malik. "Se você quiser, posso ensiná-lo a disparar foguetes Stinger para você também juntar-se à jihad", acrescentou, rindo, dirigindo-se ao repórter da AE. Leia o especial

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