A economia espanhola está se recuperando

Mas as práticas de compadrio político são generalizadas

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Em maio de 2014, Isabel Carrasco foi assassinada quando atravessava uma ponte para pedestres sobre o Rio Bernesga, na cidade de León, noroeste da Espanha. Figura importante e controvertida do Partido Popular local, mesma agremiação do premiê Mariano Rajoy, Carrasco foi morta com um tiro à queima-roupa, disparado pela mãe de uma jovem que a política excluíra de sua rede de apadrinhamento. (A moça, que é filha do chefe de polícia de uma cidade vizinha, não conseguira um emprego no governo.) Foi um ato de loucura, mas, no contexto político local, faz um tipo demente de sentido. “Foi uma questão de fisiologismo, envolvendo a carreira da filha”, diz Juan Carlos Fernández, porta-voz local do Ciudadanos, que se propõe a combater a corrupção. A Espanha realiza eleições nacionais hoje, e uma das principais preocupações de seus eleitores são as práticas de compadrio. Tanto o PP, quanto o oposicionista Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), que vêm se alternando no governo nos últimos 33 anos, são vistos pelos espanhóis como profundamente corruptos. Até algum tempo atrás, os socialistas imaginavam que a insatisfação com o programa de austeridade de Rajoy os levaria de volta ao poder. Mas, com a economia do país se recuperando, parece possível agora que o PP consiga se manter no governo. Dois partidos constituídos recentemente vêm angariando apoio entre os espanhóis. Na plataforma de ambos figura o compromisso de varrer o apadrinhamento da vida pública do país. Liderado pelo professor de ciência política Pablo Iglesias, o esquerdista Podemos a certa altura parecia caminhar para uma expressiva vitória eleitoral. Mas o partido, que faz oposição cerrada às políticas de austeridade, perdeu terreno no ano passado, tendo sido superado pelo liberal Ciudadanos, liderado pelo advogado Albert Rivera. Ainda que a maior preocupação dos espanhóis hoje seja a economia, “os simpatizantes dos novos partidos veem na corrupção um problema quase tão sério quanto a retomada do crescimento”, diz Pablo Simón, editor do blog Politikon.  Carrasco exercia sua influência numa esfera governamental de Léon chamada diputación. Ocupando um nível intermediário na estrutura política do país, as diputaciones provinciales realizam obras públicas e direcionam recursos a pequenas municipalidades. Carrasco tinha fama de praticar o favoritismo com mão de ferro. Seu sucessor, também indicado pelo PP, foi detido (e libertado depois de pagar fiança) no âmbito de uma investigação de corrupção. Tanto o Ciudadanos, quanto o Podemos querem acabar com as diputaciones. O Ciudadanos também pretende fundir muitos dos 8.117 conselhos municipais, alguns dos quais representam apenas poucas centenas de eleitores. A ideia faz sucesso em áreas urbanas grandes demais para receber recursos das diputaciones, mas é impopular em León e outras províncias rurais. “Você não conquista o voto rural dizendo para as pessoas que vai acabar com seus legislativos locais”, argumenta o sucessor de Carrasco no comando do PP provincial, Eduardo Fernández. Além disso, eliminar esferas governamentais é tarefa árdua: os funcionários públicos são protegidos por rígidos direitos trabalhistas. E o sistema eleitoral da Espanha confere peso desproporcional a províncias rurais de baixa densidade populacional. Levantamentos do órgão estatal Centro de Investigações Sociológicas indicam que o PP deve obter 29% dos votos, mas, por conta de sua força no interior, pode vir a conquistar até 128 das 350 cadeiras do Parlamento. Uma vitória do PP, ainda que parcial, seria um prêmio aos esforços feitos por Rajoy para recuperar a economia espanhola, que encolheu 4% entre 2010 e 2013, mas cresceu 3% este ano. O desemprego está em queda, mas seu nível ainda é bastante elevado: 21%. Os novos empregos são, em sua maioria, de curto prazo e instáveis. Reformas implementadas pelo PP em 2012 ajudaram a Espanha a promover, por meio de reduções salariais, uma desvalorização interna da moeda. Mas a política chegou a seu limite, diz Alfredo Pastor, da escola de administração de empresas IESE. A proposta do Ciudadanos é liberalizar de vez o mercado de trabalho, com a adoção de um contrato válido para todas as relações empregatícias, eliminando a divisão entre trabalhadores permanentemente protegidos e aqueles que estão sujeitos à precariedade dos contratos de curto prazo. Já o Podemos e o PSOE propõem revogar a liberalização parcial implementada pelo PP. As aspirações de independência da Catalunha são um fator imprevisível. O PP e o Ciudadanos não oferecem nada de especial aos separatistas catalães, o que explica por que o Podemos, que apoia a realização de um referendo sobre a independência, tem chance de vencer as eleições na região. Embora se oponha à independência, Rivera é catalão e seu partido inicialmente se formou como um grupo antinacionalista na Catalunha. Diante disso, o líder do Ciudadanos talvez tenha mais condições de compreender as aspirações locais do que Rajoy, em cujo governo aumentou substancialmente o apoio à independência. A força dos novos partidos é indício de que os espanhóis querem a mudança de seu sistema político. Isso deve ocorrer. É quase certo que nenhum dos partidos conquistará a maioria absoluta do Parlamento. Um governo de coalizão forçará os políticos espanhóis, que estão acostumados a governar sozinhos, a negociar e buscar a formação de consensos. Mas a velha política não desaparecerá da noite para o dia. A apenas 11 semanas das eleições, o PP consolidou seu apoio em León, inaugurando uma nova linha de trem-bala, que liga a capital provincial a Madri – uma obra muito semelhante aos projetos de infraestrutura realizados durante os anos de gastança, que depois causaram tantos problemas à Espanha. O próprio Rajoy estava lá para cortar a fita de inauguração. / TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER © 2015 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.

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