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The Economist: Fim da geração revolucionária em Cuba

Raúl deixa presidência na quinta-feira, o fim de quase 60 anos de poder da família que levou Cuba à revolução

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Por Redação
Atualização:

Rafael vai se formar na Universidade de Havana, mas sua cabeça está em outro lugar. A economia que ele estuda é “a que se usa aqui em Cuba”, explica. Ou seja, pouco vale em outro lugar. O governo socialista de Cuba paga os estudos de Rafael, mas a ajuda de custo que ele recebe é de apenas US$ 4 mensais, o que dá para dez refeições na cantina da universidade. O dinheiro para as demais refeições vem dos irmãos que vivem no exterior. Rafael (este não é seu nome verdadeiro) também quer ir embora. Quer uma bolsa de mestrado na Europa. Se conseguir, vai viver no exterior, onde sonha ganhar dinheiro de verdade.

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Prestes a deixar presidência, Raúl Castro é eleito deputado com 98% dos votos

Rafael está entre os muitos jovens cubanos que enfrentam suas restrições não com agitações contra o sistema, mas planejando como escapar dele. Não faz oposição ao regime - nem mesmo se interessa muito por ele. Assim, não está empolgado com mudança de poder. Na quinta-feira, Raúl Castro pretende renunciar à presidência, pondo fim a quase 60 anos de poder da família que levou o país à revolução. Rafael acha que é tempo de Raúl sair, mas para ele, “isso pouco importa”.

Fidel e Raúl Castro lideraram Cuba por quase seis décadas Foto: AP Photo/Javier Galeano

Importa, no entanto, para a maioria dos 11 milhões de cubanos que não têm como deixar a ilha. Num país em que transferências de poder são raras, a que está para ocorrer é de enorme relevância. Raúl, de 86 anos, deve passar o mando ao “primeiro” vice-presidente, Miguel Díaz-Canel, que não havia nascido quando Fidel Castro depôs, em 1959, o ditador Fulgencio Batista. A chegada da geração pós-revolucionária sugere uma mudança de estilo e cria expectativas sobre o futuro governo. Mas não está claro se os novos líderes vão preencher essas expectativas.

Díaz-Canel, engenheiro de formação, ganhou fama de modesto durante sua ascensão de três décadas nos quadros do Partido Comunista. Como líder em sua província de Villa Lara, ele andava de bicicleta em lugar de usar carro oficial. Nas eleições parlamentares (de partido único), do mês passado, ficou na fila com outros eleitores e conversou com a imprensa (Raúl entrou e saiu rapidinho da cabine de votação).

Cuba pede tranquilidade e desmente rumor sobre unificação monetária

Díaz-Canel é mais liberal que outros apparatchiks. Ele apoiou os direitos dos gays quando isso ainda não era moda. Em 2013, acalmou o furor causado pela censura aos blogs de estudantes críticos ao governo. Encontrou-se com os censurados na frente da imprensa e disse que, na era da internet, “proibir algo é quase uma ilusão”.

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Sua elevação à presidência é parte de uma troca geracional mais ampla. Vários octogenários conservadores, como José Ramón Machado Ventura e Ramiro Valdés, provavelmente, deixarão o Conselho de Estado, órgão com poderes legislativos. Díaz-Canel também deverá substituir ministros por gente sua.

Mudanças significativas, porém (se ocorrerem), não serão abruptas. Embora a geração histórica deixe de tocar o governo, continuará influente. Até 2021, Raúl deverá continuar chefiando o Politburo, que controla o PC e o rumo da política. Ventura continuará como segundo no comando. Díaz-Canel será apenas o terceiro mais poderoso.

A reforma poderá não ser aquela que os cubanos esperam. Em discurso recente, Díaz-Canel prometeu calar a imprensa e vangloriou-se de seu controle sobre a sociedade civil. Chamou de “tentativa de destruir a revolução” o afrouxamento do embargo, iniciado em 2015 por Barack Obama. Mas, segundo William LeoGrande, da Universidade Americana, em Washington, Díaz-Canel estava reforçando sua retaguarda para garantir a chegada à presidência.

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Outros viram o discurso como evidência de que Díaz-Canel não será mais amigável com os críticos ou com os EUA do que foram os Castro. Ninguém acredita que ele permitirá o surgimento de partidos de oposição ou liberará a imprensa. Uma esperança mais plausível é a de que Díaz-Canel siga o exemplo de China e Vietnã, que abriram o mercado e permitiram aos cidadãos enriquecerem, mas mantiveram o controle político. Mas talvez nem isso aconteça. Por mais atraente que seja, muitos temem que uma abertura econômica transforme Cuba em fornecedora de produtos baratos para americanos ricos.

De qualquer modo, Díaz-Canel não conseguirá fugir de algum tipo de reforma. A economia cubana está numa situação terrível e continua piorando. A Venezuela, com regime semelhante, que ainda ajuda Cuba fornecendo petróleo subsidiado, enfrenta sua própria crise e está reduzindo o fornecimento. 

A diminuição do comércio entre os dois países, de US$ 8,5 bilhões, em 2012, para US$ 2,2 bilhões, em 2016, causou em Cuba a primeira recessão desde o colapso da União Soviética, provedora da ilha durante a Guerra Fria. O déficit de Cuba chegou a 12% do PIB no ano passado, em parte porque o governo teve de enfrentar os estragos do furacão Irma, que atingiu o país em setembro.

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A agricultura e a indústria, controladas pelo Estado, não suprem a demanda dos cubanos. A falta de moeda estrangeira dificulta as importações, o que agrava uma escassez que vai de absorventes íntimos a sal. Isso enfraquece o pacto implícito pelo qual o regime proporciona segurança, serviços públicos grátis e padrão de vida em troca da tolerância da população.

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O salário padrão pago pelo governo a seus funcionários equivale a US$ 25 mensais. Existem outras seis cotações entre as duas moedas. Para a maior parte das estatais, a cotação é de 1:1, o que sobrevaloriza absurdamente o CUP. Assim, algumas estatais apresentam relatórios que as fazem parecer produtivas quando, na verdade, estão se desvalorizando. Em dezembro, Raúl afirmou que uma reforma monetária “não pode mais ser adiada”.

A mudança, porém, será dolorosa. Se a moeda for subitamente unificada e puder flutuar, mais da metade das estatais quebraria, jogando no desemprego centenas de milhares de cubanos. Membros do regime não chegam a um acordo sobre qual reforma trará menos riscos: a mais lenta ou a mais rápida. Segundo diplomatas, dirigentes cubanos estão conversando com o governo da Alemanha, que tem experiência em unificação de moedas. Sem a mística revolucionária dos Castro, o governo de Díaz-Canel será julgado com mais objetividade. Ao mesmo tempo que isso torna as reformas mais urgentes, no curto prazo, o sofrimento que elas causarão representa mais perigo para o regime. O novo presidente talvez tente ganhar popularidade antes de aplicar um choque econômico - por exemplo, ampliando o acesso à internet.

O cargo de primeiro-ministro pode voltar e fala-se em reconhecer o direito ao emprego autônomo, um aceno às 580 mil pessoas que trabalham em negócios que o governo permitiu. Os cubanos votarão sobre as mudanças em referendo, dando a Díaz-Canel mais de legitimidade.

Enquanto isso, a população desiludida continua mais preocupada com resultados econômicos que com contorcionismos constitucionais. Se Díaz-Canel apresentar esses resultados, talvez Rafael e outros jovens parem de sonhar em ir embora. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ 

© 2017 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

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