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The Economist: Itália a salvo do jihadismo  

Por enquanto, diferentemente de outros países europeus, os italianos escaparam da fúria dos grupos terroristas 

Por The Economist
Atualização:

Na imagem, vê-se um rapaz de costas, com uma faca grande na mão. Ao seu lado, está grafada, em letras maiúsculas brancas, a frase em italiano: “Devi combatterli” (“Você deve combatê-los”). A fotomontagem, que circulou no fim de agosto no Telegram, aplicativo de mensagens preferido do Estado Islâmico (EI), é uma tentativa explícita de convocar “lobos solitários” a provocar o morticínio de italianos. A imagem foi reproduzida pelo Site Intelligence Group, que monitora comunicações jihadistas, dias após ter vindo à tona um vídeo em que guerrilheiros filipinos ligados ao EI saqueiam uma igreja católica e rasgam uma foto do papa Francisco.

Papa Francisco no Vaticano em 27 de setembro. Foto: L'Osservatore Romano/Pool via AP

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“Você. Kafir (‘Infiel’). Lembre-se disto”, diz um mascarado, gesticulando com o dedo para a câmera. “Apareceremos em Roma, inshallah.” A ameaça, feita a 10 mil quilômetros de distância, talvez pareça forçada. No entanto, a atração que um ataque à sede da Cristandade exerce sobre os jihadistas não tem nada de exagerada. Isto torna extraordinário o fato de que a Itália não tenha sido vítima de atentados como os que recentemente atingiram Reino Unido, França, Alemanha e Espanha. Ainda mais quando se considera o argumento segundo o qual haveria uma ligação entre imigração ilegal e terrorismo: no primeiro semestre de 2017, a Itália foi o destino de 82% dos indivíduos que entraram sem autorização na Europa.

Para o fenômeno são apresentadas algumas explicações. A mais singular delas sustenta que as máfias italianas teriam impedido os jihadistas de estabelecerem bases no país. O problema da tese, segundo Arturo Varvelli, do Istituto per gli Studi di Politica Internazionale, de Milão, é que a influência dos mafiosos é maior no sul da Itália, ao passo que a grande maioria dos muçulmanos radicados no país vive no norte.

“Até certo ponto, foi realmente obra da máfia”, afirma uma importante autoridade policial italiana. “Mas não no sentido atribuído pela maioria das pessoas.” A luta contra quadrilhas criminosas tão bem organizadas deu à polícia da Itália enorme experiência no monitoramento de grupos fechados e unidos. Isso se aprofundou ainda mais durante a campanha contra os agrupamentos terroristas de esquerda e de direita que atuaram no país durante as décadas de 1970 e 1980. 

O crime organizado e o terrorismo político também fizeram com que, na Itália, ao contrário do que ocorre em outros países europeus, os juízes tivessem maior propensão a autorizar que os suspeitos de ligação com jihadistas sejam alvos de grampos, interceptações telefônicas e, sobretudo, vigilância eletrônica. Por fim, a história recente da Itália também ajuda a explicar a abordagem mais dura que o país adota em relação aos que fazem a apologia do terrorismo.

Em 24 de setembro, ao levantar voo do aeroporto de Bolonha com destino a Tirana, capital da Albânia, um Boeing 737 transportava o 206.º indivíduo a ser expulso da Itália por “extremismo religioso” desde o início de 2015. O jovem muçulmano de 22 anos havia deixado a prisão na véspera, após ter sido detido por tentar convencer alguns católicos a não entrar numa igreja. Ele vinha sendo vigiado de perto pela polícia desde que fora detido pela primeira vez, em 2016.

Ameaças. Por outro lado, como reconhecem as próprias autoridades policiais italianas, o número de suspeitos que precisam ser monitorados no país é menor do que na França e no Reino Unido, e isso se deve apenas em parte ao fato de que grande quantidade deles foi deportada. A divisão por nacionalidade dos “milicianos estrangeiros” recrutados pelo EI explicita diferenças no processo de radicalização. 

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Estudo conduzido pelo Departamento Nacional de Pesquisas Econômicas dos EUA, com dados de 2014 e 2015, mostra que apenas 87 desses milicianos eram provenientes da Itália, ante 760 oriundos do Reino Unido e talvez 2,5 mil da França (os três países têm populações de tamanho semelhante). Isso, argumenta Varvelli, deve-se a duas razões. 

Em primeiro lugar, na Itália, há poucos imigrantes muçulmanos de segunda geração, que são os mais suscetíveis à radicalização (0,3% dos residentes do país são imigrantes de segunda geração, provenientes de países de fora da UE, porcentual que chega a 3%, no Reino Unido, e 3,9%, na França). Em segundo, na Itália não há guetos muçulmanos como os banlieues franceses.

Michele Groppi, que dá aulas na Academia de Defesa do Reino Unido, menciona um terceiro fator importante: há indícios de que, no período em que foi a força dominante no mundo jihadista, a Al-Qaeda usou a Itália como sua base logística na Europa. “Isso nos manteve a salvo. Eles precisavam de nós”, diz o acadêmico italiano. 

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De lá para cá, a situação mudou: nos últimos tempos, ganharam notoriedade alguns jihadistas que tinham ligações com a Itália. Entre eles está Youssef Zaghba, um italiano de origem marroquina que foi um dos três terroristas que, em 3 de junho, usaram uma van e algumas facas para matar oito pessoas na Ponte de Londres e nos arredores. Groppi teme que a Líbia se torne o próximo palco da insurgência jihadista, o que faria da Itália e do Vaticano alvos de primeira grandeza. / TRADUÇÃO DE ALEXANDRE HUBNER

© 2017 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.

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