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THE ECONOMIST: Os segredos da meritocracia

Termo criado por Michael Young explica o que vem ocorrendo na sociedade britânica e a divisão sobre o Brexit

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Por Redação
Atualização:

Depois de muita busca, a Economist encontrou um livro que finalmente explica o que vem ocorrendo na política britânica. Esta formidável obra não revela apenas as razões mais profundas de todas as bizarras convulsões que observamos, mas explica também porque a situação não vai melhorar tão cedo. O livro é The Rise of the Meritocracy (A ascensão da meritocracia), de Michael Young, publicado há 60 anos. 

O Brexit representa a separação que opõe meritocratas àsmassas Foto: REUTERS/Hannibal Hanschke

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Segundo Young, o acontecimento mais significativo da sociedade moderna não foi a ascensão da democracia, ou na verdade do capitalismo, mas da meritocracia, termo que ele inventou. Numa sociedade do conhecimento, a influência mais determinante sobre suas chances de vida não é sua boa relação com os meios de produção, mas com o mecanismo de seleção educacional e ocupacional. 

Isso porque esse mecanismo determina não apenas o quanto você ganha, mas a percepção da sua autoestima. Para Young, os maiores divisores de águas na história britânica recente não foram a Grande Reforma de 1832 ou o direito de voto concedido às mulheres em 1928. Foram o relatório apresentado por Sir Stafford Northcote e Sir Charles Trevelyan, em 1854, que levou à determinação de que o emprego no serviço público fosse submetido a concursos competitivos, e a Lei da Educação, de 1944, com base no qual as crianças devem ser educadas segundo sua “idade, capacidade e aptidão”. 

Young foi uma figura notável do Partido Trabalhista, cujo currículo extraordinário incluiu a coautoria do manifesto eleitoral de seu partido, em 1945, e sua participação na fundação da Universidade Aberta. Mas Young foi apenas em parte bem-sucedido no que se refere ao debate sobre “meritocracia”. Ele usou o termo pejorativamente, argumentando que a meritocracia estava dividindo a sociedade em dois grupos polarizados: os aprovados nos exames, que se tornariam intoleravelmente arrogantes porque sabiam que eram os autores do seu sucesso, e os reprovados, que ficariam perigosamente amargurados, pois não podiam culpar ninguém, salvo eles mesmos. 

O livro é singular e brilhante. Pressupõe um relatório do governo escrito por um sociólogo em 2033. E é também um produto do seu tempo. Young estava preocupado com os exames conhecidos como “11-plus” (que determinam se as crianças entram ou não nas escolas públicas que selecionam os alunos com base na sua capacidade acadêmica), que dividiram os estudantes britânicos com base em testes de QI. 

Hoje, esse exame subsiste em algumas áreas do país. Young achava que o QI suplantaria outros determinantes das chances na vida de um indivíduo, como a riqueza. Hoje, 10% das famílias no topo da pirâmide detêm 44% da riqueza. Mas, dito isso, é impossível observar o país sem ver a meritocracia distópica de Young em toda a parte. Pais se desesperam para ter seus filhos nas escolas e universidades certas. O setor público é administrado por déspotas que tratam seus funcionários como “recursos humanos”. 

O número de parlamentares vindos da classe trabalhadora diminuiu para cerca de 30. A penalidade pela reprovação em exames vem aumentando inexoravelmente. Hoje, a proporção de homens em idade de trabalhar sem qualificações que “não fazem parte da mão de obra ativa” é superior a 40%, em comparação com 4% duas décadas atrás. 

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Algumas das grandes mudanças nas últimas décadas tornaram a meritocracia ainda mais intolerável do que nos dias gloriosos do “11-plus”. Uma é o casamento do mérito e dinheiro. 

A plutocracia aprendeu a importância do mérito: as escolas públicas britânicas se transformaram em fábricas de exames e os filhos de oligarcas estudam para obter um MBA. Ao mesmo tempo, a meritocracia adquiriu um apetite voraz por dinheiro: os cientistas de computação mais inteligentes sonham com IPOs, políticos e funcionários públicos do alto escalão recebem pensões quando se aposentam em empregos no setor privado. 

Outra mudança é a arrogância exagerada. Os meritocratas hoje não são arrogantes apenas porque acham que são intelectualmente superiores, mas porque pensam ser moralmente superiores, convencidos de que as pessoas que não compartilham seus valores cosmopolitas são simplórias.

É impossível ler o livro de Young sem nos surpreendemos com sua clarividência. A tensão entre os meritocratas e as massas descrita por ele está impulsionando quase todos os fatos importantes da política britânica. Ela impeliu o Brexit: 75% das pessoas sem qualificação educacional votaram em favor da saída da UE, ao passo que uma proporção similar daquelas com grau universitário votou pela permanência. Essa tensão vem incentivando o “corbynismo”, que é, entre outras coisas, um protesto contra os estereótipos de políticos que prometeram transformar a Grã-Bretanha em uma tecnocracia favorável ao comércio e o resultado foram salários estagnados. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO  © 2017 THE ECONOMIST NEWSPAPER  LIMITED. DIREITOS RESERVADOS.  PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO  ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

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