Além de provocar a ira no mundo muçulmano, a decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de reconhecer Jerusalém como a capital de Israel, há dez dias, teve um efeito colateral: abalar a reconciliação de Fatah e Hamas, os dois maiores movimentos de “libertação” da Palestina.
Anunciadas em novembro, as negociações entre as duas facções, uma secular, a outra islamista, deveriam pôr fim aos dez anos do conflito que dividiu e enfraqueceu a causa palestina. A posição da Casa Branca levou o Hamas convocar uma terceira intifada, enquanto o Fatah apelou a protestos pacíficos.
Fatah, a Organização pela Libertação da Palestina (OLP) criada por Yasser Arafat em 1959 e hoje liderada Mahmud Abbas, chefe da Autoridade Palestina (AP), tem raízes seculares e socialistas. Já o Hamas – “fervor” em árabe –, acrônimo do “Movimento de Resistência Islâmica”, foi fundado em 1987 por membros da Irmandade Muçulmana, uma facção que prega a destruição do Estado de Israel e afirma que a Palestina, unificada, é uma “terra muçulmana”.
Concorrentes, as duas facções entraram em confronto em 2007, quando o Hamas se levantou contra a Autoridade Palestina e assumiu o controle militar e político da Faixa de Gaza em um conflito que deixou mais de 700 mortos.
A iniciativa causou a imediata ruptura da coalizão que sustentava a Autoridade Palestina. Abbas demitiu o líder do Hamas, Ismail Haniyeh, do posto de primeiro-ministro da Palestina. Radicalizado, o movimento acelerou o enfrentamento com Israel. Em 2012, a tensão entre o Hamas e as forças de defesa chegou ao ápice e serviu como justificativa para bombardeios israelenses contra a Faixa de Gaza. Desde então, a região ainda vive sob o controle do Hamas, mas em uma situação de calamidade econômica, política e social. A assinatura da reconciliação, que vinha sendo negociada desde novembro, resultaria na devolução do controle político e militar da Faixa de Gaza à Autoridade Palestina. O acordo também encerraria uma década de conflito interno que isolou a região de Gaza não apenas atrás de muros construídos por Israel, mas também da Cisjordânia, administrada pelo Fatah, grupo majoritário na AP. O primeiro prazo para o entendimento havia sido fixado para 1.º de dezembro. Sem sucesso, uma segunda data foi firmada para o dia 10 – quatro dias após o anúncio de Trump. Mas, com a intervenção do presidente americano, as divergências entre Fatah e Hamas, já consideráveis, se aprofundaram. Sem o apoio de Abbas, Haniyeh exortou os palestinos a lançarem a terceira intifada. Já Abbas optou por recriminações retóricas.
Na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, territórios em que o Estado esteve na semana passada, militantes históricos das duas facções não escondem a desilusão com ambos os grupos, cujo confronto fragilizou a posição palestina. Em Ramallah, sede do poder da AP, o Mausoléu de Yasser Arafat, antes um monumento visitado pelos palestinos, está às moscas. “Fatah e Hamas… temos de nos livrar desses grupos e eleger algo novo”, diz Mahmoud Hassan, ex-militante que participou da Segunda Intifada, há dez anos. Em Gaza, o pessimismo é semelhante. Ainda que as críticas não sejam dirigidas ao Hamas – movimento que governa com mão de ferro e reprime os dissidentes –, ninguém esconde o desgaste provocado pelas divergências com o Fatah, pelos embargos econômicos e pela estratégia de confrontação direta com o Fatah e Israel. “A situação não é boa. O pior é o desemprego, que é muito grande, e os cortes de luz”, diz Ismail Attala, evitando citar as duas facções.
Para o cientista político Naji Sharab, professor da Universidade Al-Azhar, de Gaza, a iniciativa de Trump torna a reconciliação entre Fatah e Hamas ainda mais dura. “Alguns querem o levante ou uma escalada militar, outros não. Com o problema de Jerusalém, as negociações não podem continuar”, disse o especialista à agência France Presse. Outro professor de Relações Internacionais Jamal Al-Fadi, da mesma instituição, acredita que as negociações correm o risco de fracassar. “No curto prazo elas serão congeladas”, explica. Mas, para ele, cedo ou tarde as conversações terão de ser retomadas em razão da situação política e social da população. “A reconciliação ainda vai voltar ao topo da agenda.”